Neste final de semana se encerra a 42ª Semana Literária do Sesc, evento realizado no Sesc Cadeião, em Londrina. Nste sábado (7), acontece conversa entre as escritoras Aline Bei e Mariana Salomão Carrara com mediação de Karen Debértolis e palestra com Susana Ventura. No domingo (8), acontece oficina com Jéssica Balbino, apresentação da slammeer Mel Duarte e exposição poética de Edra Moraes e Dani Chineider.

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A programação da Semana Literária do Sesc revela algo que vem acontecendo nos últimos anos no universo literário brasileiro: o fim da invisibilidade da literatura de autoria feminina - a literatura produzida por mulheres.

A história da literatura sempre foi marcada pela hegemonia da literatura produzida por homens. As mulheres sempre escreveram, mas sempre foram renegadas ao segundo plano. Poucas conseguiam publicar suas obras e raras se tornavam grandes personalidades da literatura brasileira.

Mas esse cenário está mudando. A forte presença de escritoras na Semana Literária do Sesc demonstra como o movimento de visibilidade da literatura produzida por mulheres cresce a cada dia. Isso fica evidente na crescente presença de autoras nos livros publicados pelas editoras, nos prêmios literários, nos festivais literários, nos clubes de leitura, nos canais do youtube, nos concursos de literatura, nas feiras de livros e muito mais. E, segundo as últimas pesquisas do Retratos da Leitura no Brasil do Instituto Pró-Livro, as mulheres são aquelas de formam a grande massa de leitores no país. * A escritora e técnica de literatura do Sesc Samantha Abreu acredita que essa conquista de visibilidade da literatura de autoria feminina pode ser atribuído a uma somatória de fatores: “Um deles é que as mulheres decidiram não mais aceitar o silenciamento a que foram relegadas por tantos anos de história literária. Elas decidiram assumir que escrevem (e sempre escreveram), decidiram ser publicadas, lidas e estarem presentes nos eventos e prêmios literários. O que percebemos nos eventos literários também é uma presença mais numerosa de mulheres como público, buscando por diálogos e leituras que façam parte de suas vivências.” Samantha Abreu acrescenta: “É claro que somado a este grito, a gente tem uma oportunidade de mercado que se interessa pela literatura feita por mulheres, pelos clubes de leitura temáticos que foram se instaurando pelo Brasil. O clube Leia Mulheres, por exemplo, oportunizou que muitas escritoras chegassem ao público leitor e que despertassem o interesse de editoras e livrarias. O mesmo percebemos no crescimento editoras que chegaram dando mais espaço para publicação de mulheres que sequer sonhavam em ser lançadas.”

Para a escritora paulista Mariana Salomão Carrara, que participa da programação neste sábado (7) da Semana, a visão de mundo das mulheres é algo necessária para a literatura: “Acredito que o lamentável é que a literatura das mulheres não tenha tido desde sempre a mesma visibilidade que teve a literatura dos homens, porque sempre esteve aí o anseio pela leitura da nossa visão de mundo, nossa perspectiva sobre os mesmos assuntos. Há uma satisfação e alívio em lermos também os nossos temas, encontrar na profundidade da ficção o que estava embotado longe das palavras.”

Para a poeta gaúcha Mar Becker, que participou do evento na quarta-feira (4), uma fala da escritora inglesa Virginia Woolf (1882 - 1941) desenha uma boa imagem do contexto: “Virginia Woolf diz que até mesmo as paredes de uma casa parecem vir carregadas da densidade da vida de mulheres que ali dentro passaram tempo ao longo da história (e sim mulheres atravessaram séculos confinadas ao lar), muitas vezes calando o que desejariam poder dizer. Forte a imagem, não? Uma casa prenhe de vozes (por vezes amordaçadas, por vezes roucas ou tímidas) de mulheres, prestes a virem à tona, a contarem suas histórias. A revogarem seus corpos também através do corpo do texto, da palavra. A literatura brasileira poderia ser essa casa de que fala Virginia. São corpos que vem assim, com a pronúncia subindo espessa de gerações de outras – as avós, mães, amigas, irmãs. É algo novo na literatura, inédito, sim – e paradoxalmente tão antigo.”

Para a escritora mineira Jéssica Balbino, que participa da Semana Literária na programação de domingo (8), a nova produção literária de mulheres tem a função de renovar as narrativas: “Penso que essa visibilidade da literatura criada por mulheres acompanha os momentos do país, sobretudo nos últimos 10 anos. Percebo que as pessoas sentiram um esgotamento nas narrativas que até então dominavam a cena literária e agora, buscam outras formas de narrar, de contar. Há um interesse em ouvir outras vozes também. A gente precisa observar que o primeiro romance histórico brasileiro foi escrito por María Firmina dos Reis (1822 - 1917), uma mulher negra e abolicionista, mas houve um hiato gigantesco até que algo no mesmo estilo fosse publicado. Hoje vemos corpos de mulheres ganharem as ruas, bem como a urgência de muitas pautas que atravessam essas existências. Há o surgimento de batalhas de poesia (slams) voltadas para o gênero e com um escoamento dessas vozes que até então, estavam represadas. Há muito a ser dito e ouvido ainda, mas temos um caminho muito interessante e promissor.

Tudo indica que literatura criada por mulheres vem conquistando o mercado editorial, eventos literários e leitores. Mas, nas palavras a escritora paulista Aline Bei, que participa neste sábado (7), da Semana Literária, a conquista da visibilidade ainda está em curso: “Acho que é um movimento que tem se dado de uma forma política. É importante o olhar atento para a diversidade na publicação de livros e também na curadoria dos eventos. As mulheres sempre escreveram muito, mas havia um movimento de publicar mais escritores homens. Também acho importantes as mulheres que estão por trás dos livros (editoras, preparadoras de texto, revisoras), essa nova corrente por trás do livro escrito por mulheres. É uma mudança que está em curso. Acho que os clubes de leitura focados no trabalho das mulheres têm uma importância incrível nessa mudança de cenário. E há também o movimento na internet com o engajamento de grupos leitores – leitores influenciadores que prestam atenção na diversidade de vozes. Dessa forma podemos ter uma literatura que capaz de dar conta da complexidade do nosso país.”

LEITORES E LIVROS DE AUTORIA FEMININA

A literatura escrita por mulheres vem ganhando cada vez mais espaço entre leitores – uma demanda que permanecia estrangulada pela hegemonia da literatura escrita por homens. Mas o que a literatura de autoria feminina pode oferecer de diferenciado aos leitores? A seguir, escritoras e poetas participantes da Semana Literária do Sesc, falam sobre essa questão.

“De modo geral, somos treinadas para empatia desde meninas. Compreender e perdoar está na nossa lista de primeiras aprendizagens, e, como leitoras, de tantas obras dos homens, sempre estivemos ali alcançando as dores dos seus personagens, sem se importar – e às vezes sem nem perceber – que não são necessariamente nossas. A ficção produzida por mulheres pode vir a alcançar os detalhes de alguns temas que venham a ter escapado na história da literatura dos homens, pode retratar solidões que talvez poucos homens tenham captado. E posso também devolver a questão: o que a literatura de autoria masculina pode oferecer de diferenciado aos leitores?” (Mariana Salomão Carrara, autora de “Se Deus me Chamar Não Vou”, “É Sempre a Hora de Nossa Morte Além” e “Não Fossem as Silabas de Sábado”)

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“Uma vez uma leitora, a psicanalista Marieta Madeira, disse numa live algo interessantíssimo: as mulheres colocam o corpo em jogo na escrita. E com o corpo emerge inevitavelmente o que escapa à razão, o que a palavra não alcança a não ser como cicatriz tênue, divisa para o inconcebível. Elas trazem o corpo – e armam-se arbustivas. Tentaculares também. Uma escritora também, a Janaina Costa Veríssimo, comenta que o corpo noticia-se a nós como uma espécie de grande forasteiro – é nosso máximo grau de proximidade com o estranho, o estrangeiro. Ciclos de corpo, desde a maternagem (e a recusa dela, quando é o caso) até a vivência com o sangue menstrual, desde alguns ritos funerários que na história se deu a serem muitas vezes expiados corporalmente por mulheres (certo modo de cumprir a viuvez, as carpideiras e suas lágrimas), tudo isso é do domínio privilegiado delas (não que não possam ser tocados também por todos, não é exclusivo; mas há essa premência, algo de fato como um sentido de domínio de lugar). Isso vem na escrita.” (Mar Becker, autora de “Mulher Submersa”, “Sal” e “Canção Derruída”)

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“Acredito que uma perspectiva nova é sempre oferecida quando mudamos os agentes que escrevem! Se a gente só ler autores homens, brancos, de meia idade, héteros, dizendo sobre seus dramas do mercado editorial e da crise que é ter 40 anos e bloqueio criativo, vamos permanecer sempre no mesmo lugar. Mas podemos ler poemas de mulheres sobre o que é ser mulher, ficção especulativa escrita por mulheres, personagens que são ladras e possuem complexidades, ler sobre abandono, sobre conflitos de gênero. E precisamos ler outras vozes, enunciadas de outros corpos: periféricos, marginalizados, corpos trans, gordos, de mulheres, de quilombolas, de indígenas, de ribeirinhos. A literatura é muito vasta para ser resumida ao que nos disseram que ela era, sabe? Penso que a oralidade tem muito a nos oferecer. As múltiplas expressões que vem das mulheres, enfim. São muitos universos novos a serem conhecidos.” (Jéssica Balbino, autora de “Gasolina & Fósforo Meu Corpo em Chamas” e “Traficando Conhecimento”)

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“Acho que a gente não pode reduzir a produção das mulheres em uma única palavra, ou em poucas palavras. Cada autora tem sua individualidade (de pesquisa, de linguagem, de estilo, de assunto). Acho importante a gente ir dando conta dessa diversidade e abrindo espaço para novas vozes que se apresentam. E colocando em nossas leituras essas vozes que vão ao poucos, cada uma com seu gesto no espaço, tentando dar conta da complexidade do nosso país, e até mesmo do mundo. Não dá para definir de uma única maneira a literatura feita por mulheres, algo múltiplo e complexo, profundo e inclassificável, como qualquer outro gesto criativo no espaço.” (Aline Bei, autora de “O Peso do Pássaro Morto” e “Pequena Coreografia do Adeus”)