São Paulo, 11 (AE) - Fernanda Montenegro já ganhou muitas definições nestes 50 anos nos quais perambula por palcos, estúdios, sertões e praças do Brasil e do mundo. Muitas chegaram perto de traduzir sua importância para a cultura brasileira, outras ficaram na tentativa. Mas a melhor definição de Fernanda Montenegro é a própria trajetória da atriz. Foram centenas de personagens interpretadas em 56 espetáculos teatrais, 12 longas-metragens, outras 12 produções para televisão, entre novelas e minisséries, além dezenas de prêmios recebidos em território nacional e internacional.
Por tudo isso, conhecer a história de Fernanda Montenegro é enveredar pelos bastidores da dramaturgia brasileira. Parte dessa história poderá ser vista a partir de amanhã (12), na exposição "Fernanda EnCena - Retrospectiva 50 Anos", que ficará aberta no hall do Teatro do Sesc Pompéia até o dia 13 de fevereiro. A atriz estará presente amanhã no local para abrir a exposição. Quinta-feira, às 15 horas, ela fará, gratuitamente, a palestra "Conversa com Fernanda".
A mostra, concebida pelo cenógrafo J.C. Serroni, traz à luz fotografias, cartas, bilhetes, textos, esboços de figurinos, depoimentos e trilhas sonoras de espetáculos. Tudo distribuído harmoniosamente em 18 módulos, que mostram desde os primeiros passos nos palcos até a consagração com a indicação para o Oscar por "Central do Brasil". A mostra já passou por sete cidades: Rio, Brasília, Palmas, Belo Horizonte, Florianópolis, Curitiba e Campo Grande. Para Fernanda, a exposição é mais do que uma homenagem. É um espetáculo. "Ela é diversificada, é leve, não é uma exposição de museu", define a atriz. "Mostra uma viagem bonita - eu seria cretina se não admitisse isso -, mas não foi uma viagem solitária".
Realmente, a exposição prova que a solidão sempre passou longe da vida artística e pessoal de Fernanda. Nestes 50 anos, ela conviveu com mais de mil pessoas, entre diretores, atores. Alguns já se foram, outros continuam próximos, sempre prestes a realizar novos projetos, como o diretor Gianni Ratto. "Foi um homem que fez minha cabeça", afirma Fernanda. Nostalgia - Mas, em meio século há momentos que despertam a nostalgia com mais intensidade. Amante confessa da vida, Fernanda diz que precisaria de horas para relembrar semanas, meses ou anos felizes. Ela, porém, destaca alguns. "Tenho saudade dos cinco anos que eu e Fernando (Torres, seu marido) vivemos em São Paulo, de 1954 a 1959", recorda-se. "Foram anos de encontros definitivos que fizeram nossa cabeça, anos de volúpia, de juventude, sempre com aquela crença de que a gente vai mudar o mundo".
Nesses anos, Fernanda passou ao lado de pessoas e fatos que, de uma forma ou outra, influenciaram sua vida artística. Houve o convívio com o elenco do Teatro Maria Della Costa e com a fase de declínio do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Ela também lembra com brilho nos grandes olhos da estréia de "O Mambembe" (1959) no Rio, com direção de Gianni Ratto; de "O Beijo no Asfalto" (1961), dirigido por Fernando Torres; de "É..." (1977), de Millôr Fernandes; de "Seria Cômico... Se não Fosse Sério" (1972), com direção de Celso Nunes ("Um momento único de teatro em nossa vida").
A lista de boas lembranças de Fernanda inclui ainda novelas como "Guerra dos Sexos" (1983) e "Cambalacho" (1986)
ambas do amigo Silvio de Abreu. A primeira marcou o encontro artístico com Paulo Autran. "Nunca havíamos trabalhado juntos e parecia que atuáramos juntos durante toda a vida", conta a atriz. Por fim, Fernanda orgulha-se de ter recebido o prêmio da crítica americana de cinema por sua atuação em Central do Brasil. "Recebi-o num jantar em que estava gente do Martin Scorsese para cima". Contudo, quase uma vida dedicada à arte deixa uma pergunta no ar: para quem já fez quase tudo o que quis
como manter aceso o prazer de atuar? "Existem aqueles mistérios gozosos e dolosos; atuar é um mistério gozoso e doloso", define Fernanda, depois de pensar alguns segundos.
Para a atriz, tudo no palco é feito na base da adrenalina, do espanto, do susto. Embora tudo seja equacionado, com um trajeto definido, existe a surpresa do instante, da vida do ator fora e dentro do palco e da própria platéia presente. "É nesse imponderável que se atua", diz Fernanda. "Por isso que às vezes é doloroso, ou doloso, mas é gozoso, porque ele é uma vocação e você será infeliz se não tiver esse gozo".
A felicidade em viver cada dia como se fosse o único, com a simplicidade dos iniciantes, é possivelmente o que impulsiona cada vez mais Fernanda Montenegro ao topo. Mas a mesma simplicidade faz com que ela se incomode com a criação de uma aura mítica ao seu redor. "Não sou uma pop star, mas uma mulher de artesanato, que trabalhou e trabalha muito,", define-se. "Não me considero acima de ninguém, nem abaixo, devo dizer".
Na opinião da atriz, como ela e o marido "insistem" nisso há muito tempo e "estão vivos", acabam ficando muito conhecidos por meio da televisão, do cinema e do teatro. "Principalmente eu, que, como dizia Nélson Rodrigues, corro em todas as direções igual a cavalo de mocinho", brinca Fernanda. "Mas graças a Deus tudo isso ocorre num plano de carne e osso e não quero chegar a um patamar além disso, que já dá bastante trabalho".
Por ser o que todos os atores almejam ser, Fernanda Montenegro já está nesse patamar acima dos mortais. Por isso, o amigo Millôr escreveu, nos idos de 1976: "Fernanda é tudo o que sobrou do que sempre me ensinaram".