Que início de temporada para o diretor e ator norte-irlandês Kenneth Branagh! Começou a todo vapor há duas semanas, ficando muito bem colocado entre os indicados ao Oscar – Melhor Filme, Diretor e Roteiro Original, as categorias mais importantes – mas por “Belfast”, seu filme autobiográfico focado nas vicissitudes de um menino e sua família de trabalhadores na capital da Irlanda do Norte durante a agitada década de 1960 (estreia somente nas salas brasileiras em 10 de março). E ele continua na ordem do dia com o lançamento mundial de “Morte no Nilo”, várias vezes adiado devido à pandemia e outros motivos paralelos, em que assina a direção e interpreta o detetive particular belga Hercule Poirot, uma dupla função que já tinha assumido em 2017 em “Assassinato no Expresso do Oriente”, ambos adaptados de obras famosas de Dame Agatha Christie.

icon-aspas Agatha Christie adorava o molho de especiarias feito de humanidades débeis

Tanto no trem suntuoso (“Expresso do Oriente) como a bordo do requintado barco a vapor singrando o Nilo (batizado de “Karnak”), é grande a lista de suspeitos com histórias variadas que poderiam ter motivado os crimes. Expert nº 1 no metiê, Agatha Christie adorava o molho de especiarias feito de humanidades débeis ou apenas perversas. E o cinema seguiu este menu, para o melhor e para o menos ruim. Esta adaptação da peça conduzida por Branagh compete com a de John Guillermin feita em 1978 e, por confronto, a situação não alcança o equilibrio. O Poirot de Peter Ustinov era uma autêntica jóia, e o filme foi grande sucesso quase exclusivamente por sua atuação e do elenco sublime que o acompanhou. Ainda hoje, 44 anos depois, é obra altamente recomendável. E as comparações terminam aí.

A encenação de Branagh é respeitosa e clássica a ponto de ser um pouco desatualizada; ele é fiel ao espírito do texto, mas ao mesmo tempo essa nobreza de intenções transforma a história numa experiência um tanto esquemática e conservadora, embora divertida aqui e ali. Já os maneirismos de Poirot são bem desfrutáveis, e Branagh se sai bem melhor como protagonista do que como diretor, afinal o filme pode ser visto sem problemas, suas duas horas e alguns minutos voam. Mas toda vez que a câmera se vira e revela Poirot, é momento para esfregar as mãos.

Confira o trailer de Morte no Nilo

Mas as fissuras na narrativa são perceptíveis em um elenco lutando para se harmonizar – convivem intérpretes de origens, gerações e estilos muito diversos : além da presença de Branagh como maestro atrás e na frente da tela, o elenco inclui os complicados Armie Hammer e Gal Gadot, uma desperdiçada Annette Bening, Tom Bateman, Ali Fazal, Russell Brand, Sophie Okonedo (bela voz de blues. a dessa escocesa), Letitia Wright e Dawn French (saudades daqueles ensembles de Expresso e Nilo, 78 e 74; confiram a memória, por favor).

Assim, com altos e baixos apontados, “Morte no Nilo” é simultaneamente convincente e limitado. Ah, e a história da origem do extravagante moustache de Poirot tem lá o seu charme. Detalhe que a velha raposa Agatha não imaginou.

"Morte no Nilo": estreia mundial, o filme tem um elenco bastante heterogêneo, com pessoas de várias gerações e estilos diferentes
"Morte no Nilo": estreia mundial, o filme tem um elenco bastante heterogêneo, com pessoas de várias gerações e estilos diferentes | Foto: Divulgação

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