Morre Jards Macalé, um vanguardista até o fim
Faleceu, aos 82 anos, o compositor de "Vapor Barato" que um dia declarou: "Eu não quero mais ser moderno, quero ser eterno”
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terça-feira, 18 de novembro de 2025
Faleceu, aos 82 anos, o compositor de "Vapor Barato" que um dia declarou: "Eu não quero mais ser moderno, quero ser eterno”
O cantor e compositor Jards Macalé morreu nesta segunda-feira (17), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. A notícia foi postada nas redes sociais do músico.
"Jards Macalé nos deixou hoje. Chegou a acordar de uma cirurgia cantando 'Meu Nome é Gal', com toda a energia e bom humor que sempre teve. Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre, professor e farol de liberdade. Agradecemos, desde já, o carinho, o amor e a admiração de todos. Em breve informaremos detalhes sobre o funeral. “Nessa soma de todas as coisas, o que sobra é a arte. Eu não quero mais ser moderno, quero ser eterno.” — Jards Macalé', diz a nota.
Macalé estava internado num hospital da Barra da Tijuca tratando de problemas broncopulmonares e sofreu, nesta segunda, uma parada cardiorespiratória, ele havia passado por uma cirurgia.
O músico teve uma trajetória fértil na música popular brasileira. Nasceu como Jards Anet da Silva, no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, em 3 de março de 1943, nas proximidades do morro da Formiga. Iniciou sua trajetória cultural, na década de 1960.
Foi cantor, músico, compositor e ator. Cresceu rodeado de música: no morro, os batuques do samba, na casa ao lado de onde morava, os cantores Vicente Celestino e Gilda de Abreu.
Na residência dos pais, escutava os foxes, as valsas e as modinhas, tocadas ao piano pela mãe, Lígia, que também cantava e no acordeom, pelo pai.
O coro familiar tinha o irmão mais novo Roberto e o próprio Jards. No áureos tempos do rádio, ouvia a Rádio Nacional e os cantores de sucesso, como Silvio Caldas, Francisco Alves (O Rei da Voz), Cauby Peixoto, Orlando Silva, Marlene e Emilinha, que se apresentavam aos sábados no Programa César de Alencar.
MACALÉ: O APELIDO
Ainda jovem, se mudou com a família para o bairro de Ipanema, onde ganhou o apelido de Macalé, comparado ao pior de jogador de futebol do Botafogo, que tinha esse apelido.
Na adolescência, formou seu primeiro grupo musical, o duo Dois no Balanço. Mais tarde veio o Conjunto Fantasia de Garoto, que tocava jazz, serenata e samba-canção.
Ele estudou piano e orquestração com o maestro Guerra Peixe, violoncelo com Peter Daueslsberg, guitarra com Turibio Santos e Jodacil Damasceno e análise musical com Esther Scliar.
Sua carreira profissional começou em 1965 como guitarrista do Grupo Opinião. Foi diretor musical das primeiras apresentações de Maria Bethânia.
Com Gal Costa, Paulinho da Viola e seu parceiro de composição José Carlos Capinam, criou a Agência Tropicarte, para gerenciar seus shows.
Participou como ator e compositor da trilha sonora dos filmes Amuleto de Ogum e Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos.
Também compôs para as trilhas sonoras de Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, Antonio das Mortes, de Glauber Rocha, A Rainha Diaba, de Antonio Carlos Fontoura e Se Segura, Malandro!, de Hugo Carvana.
Em 2019, seu álbum Besta Fera foi indicado ao Grammy Latino de Melhor Álbum de MPB e considerado um dos 25 melhores álbuns brasileiros do primeiro semestre de 2019 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
A APCA também escolheu seu álbum Coração Bifurcado como um dos 50 melhores álbuns brasileiros de 2023 e a colaboração Mascarada: Zé Kéti com o Sérgio Krakopwski, como um dos 50 melhores álbuns de 2024.
ETERNA VANGUARDA
Considerado um artista de vanguarda, ele se recusava a fazer apenas músicas comerciais para a indústria fonográfica. Foi com esse perfil que apresentou "Gothan City", no IV Festival Internacional da Canção, em 1969.
Num fim de década marcado pela criatividade, que entraria com força pelos anos 1970, lançou um impactante álbum de estreia em 1972, com composições que misturavam rock, samba, baião, jazz e o que mais coubesse no seu caldeirão de influências.
Entre seus maiores sucessos estão Anjo Exterminado, Mal Secreto e "Movimento dos Barcos", composto com o parceiro e contemporâneo de música e geração, Capinam.
Compôs também "Vapor Barato", uma pérola da música brasileira, cujo refrão: "Oh, minha honey baby/ Baby, honey baby/ Oh, minha honey baby/ Oh, minha honey baby/ Honey baby", foi imortalizado na voz de Gal Costa.
A propósito, ele ter acordado no dia de sua morte se lembrando Gal não chega a ser incomum. Muitos de seus sucessos foram interpretados pela cantora e também por Caetano Veloso, Clara Nunes, Camisa de Vênus e o Rappa.
Macalé gravou mais de 13 discos de estúdio e ao longo da carreira lançou outros álbuns, como coletâneas e álbuns ao vivo. Sua discografia inclui trabalhos como "Jards Macalé" (1972), "Aprender a Nadar" (1974) e "Coração Bifurcado" (2023), além de outras gravações que o consolidaram como um dos grandes da sua geração.
REPERCUSSÃO DA MORTE
A notícia da morte repercutiu nas redes sociais, onde amigos, artistas e admiradores lembraram a importância de Macalé para a música brasileira.
No perfil oficial do artista, a equipe destacou que ele despertou da cirurgia “cantando Meu Nome é Gal”, mantendo até o fim o humor e a energia que marcavam sua trajetória. “Cante, cante, cante. É assim que sempre lembraremos do nosso mestre”, escreveu a página.
Caetano Veloso publicou um relato emocionado ao recordar a parceria que deu origem ao clássico Transa. “Sem Macalé não haveria Transa. Estou chorando porque ele morreu hoje”, escreveu, chamando-o de “meu primeiro amigo carioca da música” e enviando um “beijo carinhoso para Rejane”.
Maria Bethânia também se manifestou: “Meu amor, meu amigo… Fará muita falta neste mundo.” Já o ator Matheus Nachtergaele resumiu a perda em poucas palavras: “Meu amigo, Macalé… em deuses.”
Artistas da nova geração também se manifestaram. O cantor Tim Bernardes, da banda O Terno, postou um "Ai", com um emoji de um coração partido.
Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o velório e sepultamento de Jards Macalé.
* Com informações da Agência Brasil.
Da Redação
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