O jornalista e escritor Edison Maschio, conhecido por ter sido autor do primeiro romance escrito, ambientado e publicado em Londrina, “Escândalos da Província”, faleceu nesta quarta-feira (30) aos 89 anos. O velório ocorre na Capela 1 da Acesf (Administração dos Cemitérios e Serviços Funerários de Londrina). O sepultamento será nesta quinta-feira (31), às 9h, no Cemitério São Pedro.
Obra de grande impacto em Londrina, o livro “Escândalos da Província” foi lançado originalmente em 1959, quando Maschio tinha 25 anos, e reeditado em 2011.
O romance satírico causou um alvoroço na sociedade londrinense da época, já que os boatos davam conta que o texto trazia aspectos sórdidos da vida privada de alguns figurões da cidade. Maschio, no entanto, dizia que os personagens não foram inspirados em pessoas reais. De qualquer forma, devido às ameaças, o autor passou por um autoexílio em São Paulo, retornando anos depois para o Norte do Paraná.
O jornalista e co-editor da segunda edição - ao lado de Tony Hara e Marcos Losnak -, Felipe Melhado, afirma que no livro, “sob a máscara da sátira”, Maschio revelou os desvios morais cometidos pela elite política e financeira da cidade.
“Mais do que o primeiro romance da cidade, o livro tem o mérito de trazer uma interpretação nada lisonjeira sobre Londrina, que na época ainda vivia com intensidade o ufanismo elogioso aos pioneiros, aos ‘homens de virtude’ que ‘desbravaram a cidade’”, diz Melhado, acrescentando esse é retrato difícil, espinhoso e verdadeiro. “Apesar do tom hipermoralista em alguns momentos, quando comparado ao discurso histórico oficial sobre a cidade, o ‘Escândalos da Província’ pode nos trazer insights muito mais valiosos sobre aquilo que nos tornamos, sobre certo ethos praticado na cidade e que transcende gerações, chegando até o presente.”
O secretário municipal de Cultura, Bernardo Pellegrini, afirma que Londrina “perde um dos seus últimos grandes expoentes de uma geração de jornalistas que fez a história da cidade nos tempos de ouro”. “Sempre mexendo com os donos do poder, ele era aquele tipo de jornalista de bastidor, que cutucava, valorizava, um clássico da época”, pontua.
O escritor Eduardo Baccarin-Costa ressalta que Edson foi um homem importante para Londrina, se levantando contra a história oficial da cidade. “O ‘Escândalo da Província’ é um livro que mostra muito, sem retoques, o que foi a cidade”, afirma Baccarin-Costa. “Não há como não admirar o trabalho do Edison Maschio. Temos realmente que aplaudir.”
Sobre essa geração de jornalistas que surgiu em meados de 1950, Melhado destaca que “eram caras que circulavam pelo submundo da cidade, conheciam os marginais, a intensa cena boêmia, a zona da prostituição e a jogatina, mas que também sabiam muito sobre os bastidores das transações políticas e financeiras da elite local”.
Segundo o historiador Toni Hara, na época do lançamento de  "Escândalos da Província",  de Edison Maschio, "a Biblioteca Pública recusou a obra maldita, que relatava episódios que a cidade queria esquecer como o protesto das prostitutas carecas"
Segundo o historiador Toni Hara, na época do lançamento de "Escândalos da Província", de Edison Maschio, "a Biblioteca Pública recusou a obra maldita, que relatava episódios que a cidade queria esquecer como o protesto das prostitutas carecas" | Foto: Elisabete Ghisleni/ Divulgação - 2009
OUSADIA CRÍTICA
“Acho encantador o fato de que o primeiro texto ficcional escrito por aqui ilumine a questão do falso moralismo, do conservadorismo de fachada e oportunista. Penso que essa luz acesa pelo escritor, no final dos anos 50, ainda é útil e relevante para a compreensão de nosso tempo”, afirma o jornalista e historiador Tony Hara.
Ele lembra que o escritor precisou pagar um preço pela “ousadia crítica” na construção do livro de 1959. Devido às ameaças, acabou saindo de Londrina.
“Circularam boatos de que o livro seria apreendido pela polícia. A Biblioteca Pública recusou a obra maldita, que relatava episódios que a cidade dita civilizada queria esquecer, como o protesto das prostitutas carecas em plena avenida Paraná. O castigo medieval e as modernas linhas arquitetônicas de Vilanova Artigas se cruzaram na história da cidade. O apagamento, o silenciamento desse tipo de ousadia crítica diz algo sobre nós”, conta. “Aos jovens que estão na luta pela transformação da cidade no tempo de agora, acho que a mensagem da velha geração que fica é: nunca foi fácil.”
HISTÓRIA
Depois do sucesso de “Escândalos da Província”, que vendeu milhares de exemplares, Maschio lançou “Raposas do Asfalto”, em 1984, e foi autor de diversos álbuns de história sobre a cidade. Em 2010, publicou “Histórias Ocultas”, seu livro de memórias.
O escritor também fazia parte da Alcal (Academia de Letras, Artes e Ciências de Londrina). Em nota, Edilson Elias, colega de Academia, afirma que a morte de Maschio é uma perda para a cena cultural da cidade e para o jornalismo. “Sempre pautou suas ações obedecendo aos mais sadios princípios de retidão. Sua verve redacional chamava a atenção pela criatividade. O jornalismo ficou mais pobre com seu falecimento”.