Minissérie japonesa traz uma experiência gratificante
Na Neflix, 'Makamai' - cozinhando para a Casa Maiko" aborda a amizade em torno da gastronomia oriental
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
Na Neflix, 'Makamai' - cozinhando para a Casa Maiko" aborda a amizade em torno da gastronomia oriental
Carlos Eduardo Lourenço Jorge/ Especial para Folha

Em meio à sempre caudalosa correnteza, com muitos detritos e pouca água límpida, o streaming Netflix vez ou outra surpreende, faz boa mágica e tira da cartola títulos inimagináveis para quem demonstra desleixo na programação. Inclusive arriscando a fama de atento coletor de lixo e buscando títulos de alto teor de qualidade, como “Pinóchio”, “Ruído Branco”, “O Desconhecido”, “O gabinete de Curiosidades...”, “O Milagre”, “O Pálido Olho Azul”, “O Cântico dos Nomes” e “Bardo”, entre outras exceções. A mais recente no rol das preciosidades é a minissérie japonesa (nove capítulos) “Makanai – Cozinhando para a Casa Maiko”, recém-estreada.
O cinéfilo que frequentou com dedicação o Cine Com–Tour/UEL nos seus quinze anos de atividades, entre 2005 e 2020, deve se lembrar de um nome marcado ali pela assiduidade. De fato, Hirokazu Kore-eda teve quase toda sua filmografia exibida naquele espaço alternativo. Títulos como “O Terceiro Assassinato”, “Assunto de Família”, “Nossa Irmã Mais Nova”, “Tal Pai, Tal Filho”, “O Que eu Mais Desejo”, “Ninguém Pode Saber”, “Boneca Inflável”, “Depois da Vida” e “Maborosi – a Luz da Ilusão” (exibido no Ouro Verde).
A minissérie “Makanai – Cozinhando para a Casa Maiko”, com os dois episódios iniciais dirigidos por ele e os sete restantes por três de seus atentos discípulos, traz aquela habitual consideração pelas pessoas comuns do universo nipônico que colocaram Kore-eda no mapa e o tornaram herdeiro legítimo de mestres maiores e universais como Yasujiro Ozu e Mikio Naruse – há ainda homenagem à outra lenda do cinema japonês, Kenji Mizogushi, que um dia filmou no mesmo bairro das geishas.
“Makanai” é um melodrama que também funciona como realismo social, mas com extraordinária leveza e ternura. É a adaptação de um mangá de Aiko Koyama muito popular no Japão, que narra as desventuras de duas adolescentes de 16 anos que deixam a cidade rural de Aomari para se estabelecer em Kyoto, uma cidade grande e tradicional, cheia de templos e santuários (foi capital do país até 1868) para aprender a profissão de maiko (geiko ou geisha). Mas enquanto Sumire (Natsuki Deguchi) prova ser uma aluna rápida, impressionando os professores com seu equilíbrio fácil e determinação calma, Kiyo (Nana Mori) se mostra muito mais desajeitada e menos entusiasmada. Mas quando está prestes a ser mandada de volta à casa, Kiyo descobre ter vocação para makanai (cozinheira tradicional), tornando-se responsável por alimentar todas as maiko e supervisoras veteranas do local.
Do campo à cidade, da adolescência à idade adulta, da modernidade à tradição, esta é uma série sobre viagens de iniciação, sobre jovens à procura do seu destino, sobre pessoas que querem se (re)encontrar, sobre relações mãe-filha (de sangue ou não), sobre famílias que não são consangüíneas, mas convivem para além de suas diferenças (tema clássico na obra do diretor), sobre camaradagem, lealdades, sobre sentir-se satisfeito com as decisões que vão sendo feitas ao longo do caminho, mesmo que às vezes signifiquem aceitar mudança inesperada de direção.
Kore-eda tem uma abordagem terna e simpática com seus personagens, observando-os com empatia e nunca os julgando. E isso aparece claramente na série. Sutil, calma, melancólica, bela, íntima, sensível e decididamente terna, “Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko” mantém sempre o cunho minimalista e austero de Kore-eda. Em tempo: não se incomode com o tom naïve, e lembre-se sempre que o grande charme e apelo da série é a comida. Os closes quase documentais que a câmera dedica ao preparo de cada prato deixam claro que muitos verão a série como quem assiste a um programa de chef, anota o nome dos pratos e depois descobre como prepará-los na internet. Kore-eda sabe disso, e usa esse gancho para entrar em um mundo tão fascinante quanto desconhecido para os ocidentais, o da maiko, do geiko e da longa história que existe por trás dessa cultura particular.
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