"Minari": filme se insere na tradição dos choques estruturais gerados nas comunidades migrantes
"Minari": filme se insere na tradição dos choques estruturais gerados nas comunidades migrantes | Foto: Divulgação

A Diamond, distribuidora de “Minari – Em Busca da Felicidade” no Brasil, está anunciando o lançamento em salas no dia 22. Quais e onde, francamente ignoro. De minha parte, conferi este precioso candidato a melhor filme no Oscar do dia 25 por ótimo preço e em cópia excelente à disposição no Camelódromo, esta entidade democrática que, neste momento, permite acessar os principais títulos (inclusive curtas metragens e documentários) que estão nos circuitos já vacinados do planeta.

O que de imediato impressiona positivamente em “Minari” é como o filme se impregna do espirito do grande cineasta John Ford para contar a história de outros pioneiros, de outro oeste distante, de outras fronteiras: a reinvenção, a partir da simbiose entre ficção e memória, de uma crônica migratória que molda os Estados Unidos contemporâneo. Porque em “Minari”, os modos cinematográficos são tão decisivos como o olhar infantil que David, o alter ego do diretor Lee Isaac Jung, projeta sobre os hábitos e a dinâmica daquela família cuja identidade cruzam, ao mesmo tempo, a coreana e a americana. A figura metafórica que se enraíza nesta atualização das narrativas de descobridores, terras desconhecidas e confrontos de costumes é a planta que dá título ao filme. Minari (Oenanthe Javanica) é uma erva perene bem conhecida na Coréia, e cuja característica distintiva, nas palavras da avó do garoto David, é a capacidade de crescer em qualquer terreno. Lutando contra circunstâncias muitas vezes terríveis, o casal Jacob e Monica YI, seus filhos David e Anne, e mesmo a idosa avó Soon-Já, são sementes de minari.

Mesmo não conhecendo a biografia do diretor Chung (nascido em Denver em 1978), à medida que a história avança, bela, mansa e delicada, o espectador sabe o que de fato importa na narrativa. Os acontecimentos são baseados na própria experiência dele. Que é o menino David, que chega com a família aos campos do Arkansas onde o pai comprou um terreno para se transformar em agricultor, nos anos 1980. Favorecido pela Ata de Imigração de 1965, o casal emigrou da Coreia do Sul buscando o sonho americano; e só o que encontraram foi trabalho em granjas de frangos, separando fêmeas e machos. O chefe da família, Jacob (Steven Young), se sente mais ou menos como os pintinhos machos que são separados das fêmeas e descartados por não ter utilidade. Jacob não está conseguindo estabilidade econômica como agricultor e teme cada vez mais o fracasso.

“Minari” se insere na tradição de filmes sobre os choques estruturais gerados nas comunidades migrantes. Aqui como em outros títulos, a figura de um dos avós é de vital importância, ela se conecta diretamente com as raízes que aos poucos parecem estar desaparecendo à medida que o núcleo familiar se integra à nova cultura. Em “Minari”, é a avó Sonja (a ótima Youn Yuh-jung) que, apesar de sua saúde frágil, viajará para ajudar a filha naquela utopia rural que ela não consegue enxergar com clareza. É ela quem vai unir tradições, conectando o pequeno David com todo um imaginário que tem a ver com a sabedoria ancestral e a natureza , para fortalecer corpo e espirito.

O filme é também sobre fé. Na sombra da religião como elemento sufocante do qual é impossível escapar. Mas sobretudo na autoconfiança . Há também um discurso subliminar sobre identidade, sobre pertencer ou a não a um determinado espaço. Algo que representa a planta que dá nome ao filme, capaz de crescer em qualquer lugar e alimentar ricos e pobres. O diretor Lee Isaac Chang mantém um estilo calmo e manso.

Às vezes parece tentado a abusar de alguns tics de suas origens de cinema independente , mas logo toma pé da situação para nos entregar cenas, sequências e personagens da melhor significação universal.

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