Mesmo 40 anos depois, não é tão simples entender o Clube da Esquina. O grupo, que não era bem um clube nem uma banda, deu nome a dois discos nos anos 1970.

Márcio Borges, um dos meninos que se reuniam nos anos 1960 – entre as ruas Divinópolis com Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte–, conta que tudo foi consequência da amizade.

"Era primeiro a amizade, depois a música", diz. "E o destino reuniu, num só lugar, o Bituca, Wagner Tiso, a família Borges, o Beto Guedes. Era tudo no mesmo quarteirão."

Márcio, letrista do "clube", é um dos participantes da série "Milton e o Clube da Esquina", que estreia agora, no Canal Brasil. Depois de passar na TV, os episódios ficam disponíveis inclusive para não assinantes, no Canal Brasil Play.

Durante seis episódios, Milton Nascimento recebe os amigos antigos –Lô Borges e Ronaldo Bastos entre eles - e convidados –Samuel Rosa, Seu Jorge, Criolo, Iza, Gal Costa e Ney Matogrosso, entre outros - para celebrar o legado daqueles álbuns, "Clube da Esquina", de 1972, e "Clube da Esquina 2", de 1978. A principal ausência é Fernando Brant, letrista e colaborador de Milton que morreu há cinco anos.

Eles se reuniram por uma semana num estúdio isolado e bucólico em Minas Gerais, a fim de reinterpretar as músicas do Clube da Esquina e relembrar histórias da amizade. Os arranjos foram refeitos idênticos aos originais.

Lô Borges lembra que conheceu Milton Nascimento quando ainda era bem novo. "Ele gostava de uma bandinha que eu tinha com o Beto Guedes", diz. "A gente fazia cover de Beatles, éramos os Beavers. Milton era entusiasta, mas queria que a gente tocasse músicas do Dorival Caymmi."

Bituca já passava dos 30, tinha três álbuns lançados e era um cantor reconhecido quando chamou Lô, então chegando aos 20 anos de idade, para gravar com ele no Rio de Janeiro. Milton já havia gravado "Para Lennon e McCartney", composição de Fernando Brant, Lô e Márcio Borges, em seu disco "Milton", de 1970.

"Ele me convidou para gravar um disco e eu respondi que tinha que pedir para minha mãe", diz, entre risos. "Aí fomos morar com ele no Rio. O Bituca ia fazer show, para botar grana na casa. Eu e Beto éramos totalmente dependentes, a gente só ficava em casa compondo."

Mas o esqueleto do primeiro e clássico álbum "Clube da Esquina" se formou depois, inspirado nos encontros na famosa esquina de Santa Tereza, embrião da mistura de bossa nova e jazz com Beatles, psicodelia e música mineira que marcou aqueles trabalhos.

Milton ficou um período com Lô e Guedes numa casa em Mar Azul, enseada da praia de Piratininga, em Niterói, no Rio de Janeiro. Lá, recebiam as visitas de letristas, como Márcio Borges e Fernando Brant, e tocavam o tempo inteiro. É onde o disco de 1972 foi forjado.

Milton e companhia ainda se lembram de outras histórias, como a briga com a gravadora para lançar um disco duplo. Num dos episódios, Bituca destaca a amizade com Gal Costa, com quem havia combinado de ter um filho. "No fim, não tivemos", diz, aos risos. "Ela sempre reclama disso, mas não pode reclamar não."

A série chega após Milton resgatar o período do Clube em turnê que passou pela Europa e rodou o Brasil até o começo deste ano. Foi o início de um retorno dele aos palcos, depois dos shows "Semente da Terra", de 2017.

Antes disso, Bituca passou por um período difícil. "Naquela época, achava que não ia conseguir cantar mais", diz. "Não foi por causa de doenças, mas por coisas nas quais eu não acreditava mais."

Hoje, o Clube da Esquina tem reconhecimento internacional e é um exemplo raro de longevidade de uma obra musical.

"Eu era pouco mais que um adolescente", diz Lô Borges. "Não fazia ideia de que seria tão propagado ao longo das gerações. Percebo, hoje, que a música do Clube me dá a oportunidade de ter 20 anos de idade para o resto da vida."

Milton e o Clube da Esquina