'Meu Nome é Gal' estreia em Londrina com cinema lotado e aplausos
Filme lotou o Espaço Villa Rica na noite de quinta-feira (12) com manifestações do público que aplaudiu e cantou junto
PUBLICAÇÃO
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
Filme lotou o Espaço Villa Rica na noite de quinta-feira (12) com manifestações do público que aplaudiu e cantou junto
Celia Musilli
A estreia de "Meu Nome é Gal", em Londrina, lotou o Espaço Villa Rica e também deve ter levado público a outras salas da cidade onde ecoou uma das vozes mais bonitas do Brasil num filme de roteiro linear, mas que desperta memórias.
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No Villa Rica, um público heterogêneo, formado por jovens e pessoas maduras que devem ter frequentado o mesmo espaço nas décadas em que o cinema era um dos principais pontos de encontro de Londrina, demonstrou entusiasmo pelo filme. A plateia se manifestou algumas vezes cantando baixinho as músicas que brilharam na voz da cantora, um desfile de sucessos como “Meu Nome é Gal” - canção composta por Erasmo e Roberto Carlos em 1969, a pedido do empresário Guilherme Araújo (interpretado por Luis Lobiando) - “Baby”, “Divino Maravilhoso”, “Eu Vim da Bahia”, “Coração Vagabundo”, “Mamãe, Coragem”, “Vaca Profana”, “Festa do Interior”.
TROPICÁLIA
Gal Costa morreu em 22 de novembro de 2022, aos 77 anos, sem tempo de assistir ao filme que já estava sendo produzido sob a direção de Dandara Ferreira (que também interpreta Maria Bethânia) e Lô Polliti. Mais que uma cinebiografia, o filme é um resgate do nascimento da Tropicália - nome que remonta a uma obra do artista Hélio Oiticica - movimento que reuniu, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e nomes icônicos como Torquato Neto - poeta que se suicidou em 1972 - Tom Zé e Waly Salomão, poeta emblemático do movimento que aparece numa praia carioca, numa das cenas do filme, fazendo o que mais sabia: declamar versos com o ímpeto de um bom baiano.
A narrativa do filme é linear, o roteiro segue uma ordem cronológica desde a saída de Gal de Salvador (BA) até a chegada a São Paulo - ainda bem tímida - e sua mudança para o Rio de Janeiro onde encontra seu papel de cantora libertária não só pelas suas canções, mas por seu comportamento livre. Por se tratar de Gal e da Tropicália, o filme poderia ser mais ousado, mas ainda assim funciona como documento de época.
Sophie Charlotte, que interpreta Gal, dá conta do recado cantando bem e reproduzindo os trejeitos da cantora que só os fãs identificam, como a baianidade nos diálogos, com voz pausada e sedutora, até suas apresentações em shows sentada num banquinho, com o violão entre as pernas abertas, num sinal de liberdade incomum no período pós bossa nova, quando Nara Leão cantava com joelhos à mostra, mas com pernas bem fechadas.
Caetano Veloso, interpretado por Rodrigo Lelis, transpira a juventude e o incorformismo naquele período de ditadura no Brasil em que as cenas de rua, invariavelmente, contavam com o exército dando porrada em quem discordava do regime. São cenas reais que se juntam às frases marcantes dos ídolos da Tropicália como a famosa "é proibido proibir", que dá título à música que Caetano Veloso defendeu no Festival Internacional da Canção em 1968. A frase tem origem nos movimentos de maio de 68 na França, quando era pichada nos muros, e se espalhou pelo mundo.
REVOLUÇÃO ESTÉTICA
Do Brasil ao exílio de Gil e Caetano em Londres, para fugir da ditadura, o filme traz uma galeria de grandes canções como a melancólica "London London", mistura de protesto com discos voadores, num exemplo do que a Tropicália queria: um movimento cultural, com crítica política e às instâncias da ditadura, mas sem o engajamento planfletário de muitas cancões do período. O sopro de modernidade nas letras e no uso dos instrumentos, incluindo a guitarra elétrica - mal vista por alguns músicos que não queriam "americanizar" sua criação - representam uma ruptura com todas as formas de autoritarismo, consagrando a Tropicália como uma manifestação estética e cultural libertária em tempos duros.
O SHOW E O PÚBLICO
Antes do filme, um show do grupo Feminina antecipou para a plateia alguns sucessos de Gal através de um trio de cantoras dispostas a encarar aquele timbre singular exigido para algumas músicas celebrizadas pela "voz de cristal". As cantoras Marina Madi, Marcelle Terra e Nilma Raquel, com Diogo Oliveira na guitarra e direção de Paulo Vitor Poloni, deram conta do recado, antecipando o resgate do carisma de Gal Costa reinterpretado no filme.
Todo esse clima capturou o público que compareceu ao Espaço Vila Rica em massa - o cinema estava lotado como nas boas sessões das antigas matinês - e o público, além de cantar com a protagonista do filme os sucessos que quase todos pareciam conhecer, aplaudiu ao fim da sessão, numa manifestação espontânea que dá à sala de cinema uma configuração de sala de teatro. A emoção transmitida pelo aplauso é a prova de que a voz de Gal ecoa através de gerações. Ainda que "Meu Nome é Gal" não corresponda às expectativas com todas as letras.
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