A estreia de "Meu Nome é Gal", em Londrina, lotou o Espaço Villa Rica e também deve ter levado público a outras salas da cidade onde ecoou uma das vozes mais bonitas do Brasil num filme de roteiro linear, mas que desperta memórias.

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No Villa Rica, um público heterogêneo, formado por jovens e pessoas maduras que devem ter frequentado o mesmo espaço nas décadas em que o cinema era um dos principais pontos de encontro de Londrina, demonstrou entusiasmo pelo filme. A plateia se manifestou algumas vezes cantando baixinho as músicas que brilharam na voz da cantora, um desfile de sucessos como “Meu Nome é Gal” - canção composta por Erasmo e Roberto Carlos em 1969, a pedido do empresário Guilherme Araújo (interpretado por Luis Lobiando) - “Baby”, “Divino Maravilhoso”, “Eu Vim da Bahia”, “Coração Vagabundo”, “Mamãe, Coragem”, “Vaca Profana”, “Festa do Interior”.

Público cantou as músicas do repertório de Gal e aplaudiu o filme ao fim da sessão
Público cantou as músicas do repertório de Gal e aplaudiu o filme ao fim da sessão | Foto: Gustavo Galvão de França/ Divulgação

TROPICÁLIA

Gal Costa morreu em 22 de novembro de 2022, aos 77 anos, sem tempo de assistir ao filme que já estava sendo produzido sob a direção de Dandara Ferreira (que também interpreta Maria Bethânia) e Lô Polliti. Mais que uma cinebiografia, o filme é um resgate do nascimento da Tropicália - nome que remonta a uma obra do artista Hélio Oiticica - movimento que reuniu, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e nomes icônicos como Torquato Neto - poeta que se suicidou em 1972 - Tom Zé e Waly Salomão, poeta emblemático do movimento que aparece numa praia carioca, numa das cenas do filme, fazendo o que mais sabia: declamar versos com o ímpeto de um bom baiano.

A narrativa do filme é linear, o roteiro segue uma ordem cronológica desde a saída de Gal de Salvador (BA) até a chegada a São Paulo - ainda bem tímida - e sua mudança para o Rio de Janeiro onde encontra seu papel de cantora libertária não só pelas suas canções, mas por seu comportamento livre. Por se tratar de Gal e da Tropicália, o filme poderia ser mais ousado, mas ainda assim funciona como documento de época.

Sophie Charlotte, que interpreta Gal, dá conta do recado cantando bem e reproduzindo os trejeitos da cantora que só os fãs identificam, como a baianidade nos diálogos, com voz pausada e sedutora, até suas apresentações em shows sentada num banquinho, com o violão entre as pernas abertas, num sinal de liberdade incomum no período pós bossa nova, quando Nara Leão cantava com joelhos à mostra, mas com pernas bem fechadas.

Caetano Veloso, interpretado por Rodrigo Lelis, transpira a juventude e o incorformismo naquele período de ditadura no Brasil em que as cenas de rua, invariavelmente, contavam com o exército dando porrada em quem discordava do regime. São cenas reais que se juntam às frases marcantes dos ídolos da Tropicália como a famosa "é proibido proibir", que dá título à música que Caetano Veloso defendeu no Festival Internacional da Canção em 1968. A frase tem origem nos movimentos de maio de 68 na França, quando era pichada nos muros, e se espalhou pelo mundo.

Com roteiro linear, filme funciona também como documento de época
Com roteiro linear, filme funciona também como documento de época | Foto: Paris Filmes/ Divulgação

REVOLUÇÃO ESTÉTICA

Do Brasil ao exílio de Gil e Caetano em Londres, para fugir da ditadura, o filme traz uma galeria de grandes canções como a melancólica "London London", mistura de protesto com discos voadores, num exemplo do que a Tropicália queria: um movimento cultural, com crítica política e às instâncias da ditadura, mas sem o engajamento planfletário de muitas cancões do período. O sopro de modernidade nas letras e no uso dos instrumentos, incluindo a guitarra elétrica - mal vista por alguns músicos que não queriam "americanizar" sua criação - representam uma ruptura com todas as formas de autoritarismo, consagrando a Tropicália como uma manifestação estética e cultural libertária em tempos duros.

O SHOW E O PÚBLICO

Antes do filme, um show do grupo Feminina antecipou para a plateia alguns sucessos de Gal através de um trio de cantoras dispostas a encarar aquele timbre singular exigido para algumas músicas celebrizadas pela "voz de cristal". As cantoras Marina Madi, Marcelle Terra e Nilma Raquel, com Diogo Oliveira na guitarra e direção de Paulo Vitor Poloni, deram conta do recado, antecipando o resgate do carisma de Gal Costa reinterpretado no filme.

Todo esse clima capturou o público que compareceu ao Espaço Vila Rica em massa - o cinema estava lotado como nas boas sessões das antigas matinês - e o público, além de cantar com a protagonista do filme os sucessos que quase todos pareciam conhecer, aplaudiu ao fim da sessão, numa manifestação espontânea que dá à sala de cinema uma configuração de sala de teatro. A emoção transmitida pelo aplauso é a prova de que a voz de Gal ecoa através de gerações. Ainda que "Meu Nome é Gal" não corresponda às expectativas com todas as letras.

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