Ainda me lembro. O clima mais frio e o céu infinitamente azul marcava a Páscoa na minha infância. Em anos de clima mais regulado, não me lembro de ter passado uma Páscoa chuvosa, era o outono verdadeiro, com "céu de brigadeiro", como se dizia do céu limpo, e ovos de chocolate em cestas de cartolina , cobertas de algodão, feitas em casa.

O comércio começou a se intensificar nos anos 1960/1970, ainda não existia esse festival de apelos para comprar, comprar, comprar, mas os ovos de chocolate já despontavam em alguns mercados, fazendo as crianças olharem para cima o tempo todo para ver a cobertura de embalagens luminosas e sem nenhuma ilusão quanto aos coelhos.

Uma semana antes do domingo de Páscoa, íamos à Missa de Ramos. Do quintal de casa, onde meu pai caprichosamente havia plantado uma oliveira, os galhos da árvore eram cedidos a igrejas que buscavam os ramos de folhas miúdas para servir ao cenário da passagem de Cristo pela multidão como ensina a tradição, relembrando a trajetória de Jesus. Meu pai não era católico, mas plantou a oliveira porque adorava cultivar espécies diferentes. Já a mãe, era católica de missas e novenas. Fui educada nessa diversidade religiosa.

Na Sexta-Feira Santa, ali pelas 15h, o clima era mais triste. O peso da suposta hora da morte de Cristo era lembrado e o coração da gente ficava apertado.

Semana Santa era o período de comer peixe em vez de carne. Minha mãe preparava a bacalhoada aos domingos, quando o cheiro da comida enchia a casa para um dia diferente. Bacalhau cozido e desfiado era misturado aos ovos, batatas, cebolas e folhas de couve cozidas e bem cortadas, depois eram integradas as azeitonas pretas e, por fim, um molho especial de azeite, alho e limão, que a mãe batia no liquidificador com outros temperos para regar sobre o prato.

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. | Foto: Marco Jacobsen

Num domingo de Páscoa, meu pai resolveu encenar dentro do meu quarto a arte de pendurar um ovo de chocolate embrulhado em papel brilhante. Na véspera, esperou que eu dormisse e, silenciosamente, esticou um barbante sobre minha cama. Quando acordei, que alegria, não sabia se havia sido transportada para um mercadinho ou se estava sonhando com um céu de chocolate. Lembro desse gesto mais de cinquenta anos depois como o carinho paterno que nunca faltou na minha infância simples, sem muito dinheiro, mas cheia de encantamentos.

Guardo o ensinamento de que podemos ter na mesma casa pessoas de religiões diferentes e o amor traduzido em pequenos gestos que não se apagam. Um deles foi esse, quando o relojoeiro habilidoso que foi meu pai, se transformou no criador de um cenário de festa no meu quarto para que a filha cultivasse a esperança na beleza e a fé num domingo especial, onde havia um grande espaço para falar de Cristo numa história contada muitas vezes, da Paixão à Ressurreição, tanto pelo pai quanto pela mãe.

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A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a opinião da Folha de Londrina.

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