A lista de escritores russos que foram esmagados após os desdobramentos da Revolução Russa de 1917 é enorme. Nesta lista figura o nome de Óssip Mandelstam, um dos poetas de maior popularidade dentro da literatura soviética do século 20.
Óssip Mandelstam (1891-1938) foi um dos primeiro literatos a se engajar na escritura de versos cívicos e otimistas em relação ao sucesso da revolução proletária. Seus sentimentos foram registrados com as seguintes palavras: ‘‘A revolução de outubro não podia deixar de influenciar o meu trabalho uma vez que me privou da ‘biografia’, da sensação de importância pessoal. Eu sou grato por ela ter acabado de uma vez por todas com o bem-estar intelectual e a sobrevivência baseada em renda proveniente da cultura... À semelhança de muitos outros, eu me sinto devedor da revolução, mas lhe ofereço algo de que ela por enquanto está necessitando.’’
Essa dedicação não foi suficiente para o surgimento de um certo descontentamento com os rumos do regime stalinista. Após um isolamento de todo e qualquer grupo literário, foi preso por ordem do próprio Stalin em 1934 e confinado num presídio de trabalhos forçados na Sibéria, onde acabou falecendo após quatro anos de vida insalubre.
Diz a lenda que sua obra foi preservada apenas pela determinação e coragem de sua esposa. Com os escritos impressos confiscados pelo regime comunista, Nadejda Mandelstam guardou a obra do marido na memória e precisou, após o falecimento de Óssip, levar uma vida nômade, morando pouco tempo em cada local numa na tentativa de fugir da perseguição das polícia soviética.
A obra deixada por Óssip Mandelstam não é extensa. Escreveu não apenas poesia, mas também prosa. Dois desses textos em prosa acabam de ser lançados num único volume pela Editora 34. Traduzido diretamente do russo por Paulo Bezerra, ‘‘O Rumor do Tempo’’ traz narrativas de cunho memorialístico pontuadas por reflexões sobre cultura e literatura.
Na primeira narrativa, ‘‘O Rumor do Tempo’’, que dá título ao livro, o poeta discorre sobre a própria Rússia e os caminhos de sua literatura. Na segunda, ‘‘Viagem à Armênia’’, misturando memórias com relato de viagem, escreve sobre o período em que esteve morando na Armênia no início da década de 30. Em ambos os textos, o que chama a atenção é o estilo narrativo.
O curioso é que o leitor brasileiro possui, a partir de agora, a oportunidade de entrar em contato com os relatos memorialísticos de Mandelstam. Por outro lado, se procurar conhecer a produção poética que realmente o consagrou ficará a ver navios – são raros os versos de sua autoria publicados no Brasil. (M L.)
•‘‘O Rumor do Tempo - e Viagem à Armênia’’ de Óssip Mandelstam, Editora 34, tradução e introdução de Paulo Bezerra, 162 páginas, R$ 18,00.