Por sua óbvia ligação com o contexto contemporâneo, o filme de estreia de Wagner Moura vem dobrando semanas na programação de salas em todos os multiplex do país

Pronto há mais de dois anos, a cinebiografia “Marighella” teve seu lançamento no circuito brasileiro várias vezes adiado, e sua estreia aconteceu somente no início deste mês. A ideia era lançar na quinta-feira da semana do Dia da Consciência Negra ( nesta quinta (18), portanto), mas a mudança de planos, antecipando a entrada no mercado nacional para dia 4, parece que foi além das expectativas: o longa metragem emplacou em poucos dias e permanece em exibição, sem demonstrar sinais de exaustão (ou má vontade do exibidor cercado por tentações estrangeiras forçando a entrada nas salas ou diante de um produto, digamos, “arriscado”).

Seu Jorge vive Carlos Marighella numa interpretação sem deslizes e que, se existem, são passíveis de anistia imediata
Seu Jorge vive Carlos Marighella numa interpretação sem deslizes e que, se existem, são passíveis de anistia imediata | Foto: Divulgação

Sua carreira começou no Festival de Berlim, em fevereiro de 2019, com triunfo e aclamação – cenário mundial mais adequado para um filme com o perfil de “Mariguella”. Então veio a pandemia e colocou a realização em quarentena. E depois vieram os entraves para tentar impedir o acesso do filme ao circuito. Miudezas letais. Mas seria impossivel frear a carreira de um objeto cinematográfico tão com ímpeto e cara do Brasil.

Inspirado na biografia “Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, escrita pelo jornalista Mário Magalhães, o filme foca nos últimos cinco anos de vida do escritor, político e guerrilheiro baiano, de 1964 até seu assassinato pelas forças da repressão em uma emboscada em Sao Paulo, 1969. A ideia de fazer o filme partiu de um desejo de Moura e de sua amiga Maria, neta de Marighella, que também atua no filme. "Meu instinto foi produzir porque eu queria que existisse um filme sobre Marighella; mas comecei a pensar que dirigir era algo em que eu já estava interessado", contou o diretor ao site da revista estadunidense "The Hollywood Reporter". - Moura, agora também diretor, afinal tem décadas de janelas privilegiadas. O projeto, que custou 10 milhões de reais e enfrentou severas dificuldades que Moura nunca escondeu, foi filmado entre o final de 2017 e fevereiro de 2018.

Contando a versão plausível de uma porção da história recente do Brasil, o filme diz o que foi a ditadura militar dos anos 1960 e 70, que destituiu um governo esquerdista eleito democraticamente em golpe de estado de 1964. Sob o regime autoritário e violento, grupos de patriotas montaram uma resistência armada, enfrentando um governo sustentado por um “medo vermelho” insuflado muito pelos Estados Unidos. No coração dessa resistência estava Carlos Marighella. A democracia só voltou ao Brasil em 1989, mas a ameaça de outro retrocesso para o autoritarismo é perigosamente iminente nos últimos tempos. É preciso estar atento e forte na vigilia contra o agitador de extrema-direita Jair Bolsonaro, eleito presidente em janeiro de 2019.

Seu Jorge revive o personagem tempestuoso, decidido e decisivo, com um misto de charme suave e estoico que também abriga profunda vulnerabilidade. Em 155 minutos de narrativa, não há deslizes. E se existem, são passíveis de anistia imediata. Com mão confiante, o roteiro dele, Moura, e de Felipe Braga, permite que teoria e prática política e humanística se espalhem para além de seu protagonista central – os membros da célula terrorista têm momentos de humor e pungência para dar corpo às suas motivações, antes que inevitavelmente caiam na violenta luta contra a máquina repressora do Estado.

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