Minissérie "Mare of Easttown" traz Kate Winslet no papel de uma policial que também sofre com dramas pessoais
Minissérie "Mare of Easttown" traz Kate Winslet no papel de uma policial que também sofre com dramas pessoais | Foto: HBO/ Divulgação

Um roteiro habilidoso, a performance versátil de Kate Winslet, a harmonia do elenco coral: a fórmula para elevar a série “Mare of Easttown” acima do território-clichê

Nenhuma dúvida. O melhor da minissérie é ela, Mare, uma policial vivida na pele sem maquiagem da quarentona Kate Elizabeth Winslet. E o pior (mas não irremediável) é uma sensação de déjà vu. Porque o espectador adito ao menu criminal já esteve aqui neste mesmo cenário outras vezes, em outras histórias (as fontes de onde o roteirista Brad Ingelsby bebeu são muitas, as tais alusões intertextuais – como os modelos nórdicos, por exemplo). Mesmo que insistam em rebatizar o nome do lugar, neste caso uma Easttown criada como cidade pequena na região metropolitana da Grande Philadelphia. A esta altura da folha corrida sempre fértil da temporada seriéfila, aquele detetive arquetípico, com um passado marcado por fundas cicatrizes, precisa desvendar um crime complicado. No caso ela, Mare, está um tanto exausta. Porque o drama dela, além das investigações criminais, exige uma operação complicada porque pessoal, muito íntima e intransferível: tirar do armário dores profundas, traumas irresolvidos, fantasmas e esqueletos barulhentos. É esta dupla e penosa tarefa que vai presidir toda a ação.

Nesta minissérie disponível na HBO – berço da melhor de todas, a primeira temporada de “True Detective” – que investiga uma série de crimes que revelam a deterioração moral de uma comunidade, Mare é a detetive, a veterana cidadã “lady Hawk”, lenda viva por ter acertado uma cesta decisiva em jogo provinciano de basquete que fez a glória do local. O personagem, muito nuançado, foi abraçado pela atriz com evidente paixão. Não à toa que a câmera quase nunca se afasta dele, e quando o faz é para dar conta daquilo que motiva seu trabalho, ou pelo que deve passar no dia-a-dia. Na série ela convive com seus familiares, com o ex-marido e amigas de infância e adolescência. Ali todos se conhecem. “Mare é adorável mas repugnante. É forte mas débil. É vulnerável mas estóica. É moralmente sadia e corrupta”, disse a atriz em entrevista recente.

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De fato. Nesta interpretação memorável, à altura de seu Oscar por “O Leitor” (2008), o registro da atriz, lá como aqui, está recheado de matizes e zonas cinzentas que ela expõe sem estridências. Quando oferece campo suficiente, a série abre espaço para que Winslet ofereça uma atuação que não ostenta, mas que favorece dúvidas, inseguranças e preocupações. Em essência, 'Mare of Easttown' é a história de uma heroína anonima e feroz e comum. Sem perucas, nem maquiagem, rugas à mostra, um leve sobrepeso, mas também charme e beleza suficientes para bons momentos românticos com o escritor vivido por Guy Pearce.

O suspense e o mistério exigidos pela trama foram calibrados de acordo com as expectativas do público, e o sete capítulos conquistam algo que muitas séries tentam e poucas alcançam: criar personagens mais transcendentes e significativos do que o caso que devem resolver. Assim, outro triunfo de “Mare of Easttown” está na configuração dos personagens mais diretamente envolvidos, sempre interessantes e nunca ofuscados pela presença de Winslet.

Há momentos de cinema muito bons, como o desfecho. É sobre a culpa esmagadora que pesa sobre Mare. E sobre a necessidade do perdão. Há outras passagens dignas de referência e que enriquecem o texto através de palavras e de imagens poderosas. Por isso a minissérie, apesar de algumas poucas irregularidades e clichês, pode ser basicamente considerada uma história de redenção. Porque não apenas está se resolvendo um caso policial, mas também está se buscando abrir caminho para a alma.