A ideia do espetáculo nasceu em um encontro casual - depois de flertar com o gênero musical em O Mágico de Oz (2012), no qual viveu um afetadíssimo Leão Covarde, o ator Lúcio Mauro Filho ensaiava voltar ao estilo, mas com um texto genuinamente brasileiro e que não fosse a biografia de algum artista notável da MPB, como se tornara hábito no mercado nacional. "Eu sonhava em retratar um momento decisivo da nossa história cultural", comenta ele que, em conversa com o também ator e diretor Otavio Muller, descobriu uma paixão comum: o grupo formado por Baby Consuelo, Galvão, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes que, no fim dos anos 1960, impulsionou uma revolução rítmica e comportamental. Nasceu, assim, o musical Novos Baianos, que estreia na sexta-feira, 8, no Sesc Vila Mariana.

Trata-se da história do quinteto formado por jovens cabeludos que, reunido em 1969 e depois apadrinhado por João Gilberto, alargou a fronteira da música brasileira, tornando-a mais autêntica. "Eles fizeram o que considero ser o rock nacional mais genuíno", conta Lúcio, autor do texto do espetáculo. "Se o Tropicalismo apontou o caminho na árdua tarefa de emprestar a MPB ao rock, foram os Novos Baianos quem de fato percorreram esse caminho, aquele que mistura guitarra com pandeiro e apresenta ao Tio Sam o tamborim."

Era, de fato, a inédita fusão de vários ritmos musicais nacionais como samba, bossa nova, frevo, baião, choro, afoxé e ijexá ao rock n'roll. "Tudo que veio deles foi original e brasileiro - não existe nada mais teatral que uma gente que sai por aí, fazendo música de porta em porta. Eles coloriram o mundo por onde passaram", observa Otavio Muller, que assina a direção. Ao lado de Lúcio, ele percebeu que o tom que deve nortear o espetáculo é a vitória da coletividade. "Tudo era feito em conjunto, da criação de canções a morar junto e compartilhar lucros e despesas", conta o autor do texto.

E, ao adotar uma inédita liberdade de criação, os Novos Baianos depuraram seu talento em canções como Mistério do Planeta, Preta Pretinha, Brasil Pandeiro, A Menina Dança, Tinindo Trincando e Besta é Tu, apenas para ficar no clássico álbum Acabou Chorare (1972). "Há ali uma sofisticação musical raras vezes vista na nossa cultura", conta Muller, que credita o declínio do grupo - que se desfez em 1979 para retornar duas vezes, em 1997 e 2015 - à, entre outros fatores, mudança comportamental do planeta nos anos 1980, quando o culto ao "eu" tornou-se impositivo. "Os yuppies estragaram tudo", afirma ele, referindo-se ao termo que designava o grupo de jovens, especialmente americanos, que colocava ambições pessoais acima de tudo.

Era justamente mostrar a vitória do coletivo contra o individualismo a marca do processo de Novos Baianos, musical que chega no momento em que polarizações políticas exacerbam as diferenças. Basta observar a forma como o elenco foi escolhido. "Eu planejava ter também atores mais velhos, mas Otavio insistiu que todos deveriam ser jovens, como eram os Novos Baianos no seu início", explica Lúcio, cujo texto também contou com diversas colaborações, desde a equipe criativa até mesmo (e principalmente) do elenco que acabou definido com Barbara Ferr, Beiço, Clara Buarque, Felipe El, Filipe Pascual, Gustavo Pereira, João Moreira, João Vitor Nascimento, Julia Mestre, Mariana Jascalevich, Miguel Freitas e Ravel Andrade.

"Fazer seleção para qualquer espetáculo é muito doloroso, pois a vontade é de ficar com todos os talentosos", comenta o encenador, que contou com duas colaborações essenciais ao projeto: a diretora Monique Gardenberg, que fez apontamentos artísticos, e a dupla que agora assina a direção musical: Davi Moraes e Pedro Baby. "Além de serem excelentes instrumentistas, eles têm um profundo conhecimento do trabalho dos Novos Baianos também por serem filhos de integrantes do grupo."

Por causa disso, todos os atores cantam e tocam seus instrumentos, dispensando a presença de uma banda. "Era preciso que esse conceito do coletivo estivesse presente em todos os detalhes", continua Muller, que há 5 anos trabalha com Lúcio no projeto. Desde sempre, a dupla pretendia recuperar o frescor que destacou os Novos Baianos em meio ao momento mais violento da ditadura militar. "Eles foram subversivos por meio do verso e pela mistura do rock americano com as melodias que moldaram a MPB", observa Lúcio, que teve também divertidos encontros com os homenageados.

"Os Novos Baianos poderiam ser uma versão brasileira de Hair: a diferença talvez esteja no tempo de vida, pois os personagens da nossa história são reais e continuam produzindo e encantando plateias por aí, há 50 anos", resume Muller.