22 de março é o Dia Mundial da Água ou das águas, dos riachos mais simples à grande massa marítima. O Brasil é um país rico em águas, nem sempre bem cuidadas com o respeito que merecem desde um fio descendo o morro até um rio caudaloso.

Elemento celebrado na Terra, por representar a vida, e nos textos religiosos, nos quais se batiza nas águas, ele ainda é recorrente na literatura, na criação de poetas que compreendem a grandiosidade dos mares e de cada gota de chuva.

A paraense Olga Savary foi chamada de "poeta das águas" por fazer desse elemento um signo constante em sua poesia. Clarice Lispector também escreveu "Água Viva", um de seus melhores romances, no qual a narrativa é um fluxo de consciência, equiparada a uma correnteza. O que autora faz é tomar a palavra como imagem, criando uma insurreição formal. .

A água como elemento aparece ainda em poemas de João Cabral de Melo Neto , Manuel Bandeira e da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen.

Motivo de celebração, não só na literatura, mas também por ela, a água hoje pode ser lembrada de vários vários modos para evocar as doze bacias hidrográficas brasileiras e nossa grande costa marítima que merece a preservação que vem também pela palavra.

Os poemas sobre a água podem ser lidos como manifestos pela vida dos quais selecionamos uma pequena amostra.

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. | Foto: iStock

Ycatu

E assim vou
com a fremente mão do mar em minhas coxas.
Minha paixão? Uma armadilha de água,
rápida como peixes,
lenta como medusas,
muda como ostras.
(*Do tupi: água boa)


(Olga Savary)

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Os rios

Os rios que eu encontro

vão seguindo comigo.

Rios são de água pouca,

em que a água sempre está por um fio.

Cortados no verão

que faz secar todos os rios.

Rios todos com nome

e que abraço como a amigos.

Uns com nome de gente,

outros com nome de bicho,

uns com nome de santo,

muitos só com apelido.

Mas todos como a gente

que por aqui tenho visto:

a gente cuja vida

se interrompe quando os rios.


(João Cabral de Melo Neto)

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No alto mar

No alto mar
A luz escorre
Lisa sobre a água.
Planície infinita
Que ninguém habita.

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O Sol brilha enorme
Sem que ninguém forme
Gestos na sua luz.

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Livre e verde a água ondula
Graça que não modula
O sonho de ninguém.

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São claros e vastos os espaços
Onde baloiça o vento
E ninguém nunca de delícia ou de tormento
Abre neles os seus braços.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

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Trucidaram o rio

Prendei o rio
Maltratai o rio
Trucidai o rio
A água não morre
A água que é feita
de gotas inermes
Que um dia serão
Maiores que o rio
Grandes como o oceano
Fortes como os gelos
Os gelos polares
Que tudo arrebentam.

(Manuel Bandeira)

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A mulher-água com toda sua emoção, depois que corre junto ao Ganges e ao Nilo, encontra a resistência das montanhas, se revolta, se reparte para seguir seu curso, cai em cascata, despenca em abismo, reúne outra vez os afluentes, ruma para o oceano, provoca as ondinas, dança o balé das ninfas, bebe o sangue das bestas, apazigua-se em espuma, quebra-se num remanso de praia onde se deita exausta.

Sua natureza é de onda quando as rochas a recolhem para ficar ali, ela já partiu, fazendo seu caminho de volta ao Ganges e ao Nilo para providenciar a semeadura dos sentimentos sobre a terra inóspita, os desertos humanos. Assim, apesar de todos os obstáculos, fertiliza para sempre e sempre o renascimento, líquido como a criação.

(Trecho de “A mais líquida das mulheres”, Célia Musilli)

."A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba." (Guimarães Rosa)