São Paulo, 19 (AE) - É pouco provável que surja até o fim do ano outro filme mais estressante do que "Magnólia", de Paul Thomas Anderson. Ninguém deve ficar desanimado por isso. "Magnólia" já recebeu o Urso de Ouro no Festival de Berlim. Confirma seu jovem diretor como uma das personalidades mais interessantes da nova geração americana. Depois do painel sobre sexo e drogas nos anos 70, "Boogie Nights - Prazer sem Limites", Anderson volta com novo painel para discutir família, a mídia. "Magnólia" é o apocalipse segundo P.T. Anderson.
Uma das curiosidades desse filme, e não a menor, é oferecer ao astro Tom Cruise um dos melhores papéis de sua carreira. Cruise chegou a ser indicado para o Oscar de coadjuvante, perdendo para Michael Caine, por "Regras da Vida". Caine é ótimo, mas o filme de Lasse Hallstrom, tradicional até o limite do quadrado e sentimental até a pieguice, não merecia a distinção. Premiar Cruise, que está bem, seria reconhecer uma obra muito mais provocativa - mais até do que o grande vencedor do ano, "Beleza Americana", de Sam Mendes.
P.T. Anderson aprendeu direitinho uma lição que Robert Altman, por sua vez, absorveu de Luis Buñuel. Tudo começou com "O Discreto Charme da Burguesia". Vieram depois os filmes de Altman, "Nashville" e "Cerimônia de Casamento", até chegar ao mais recente "Short Cuts - Cenas da Vida". Altman, como Buñuel no seu filme vencedor do Oscar, solta a câmera entre dezenas de personagens cujas vidas se entrelaçam na estrutura dramática do roteiro. Anderson faz o mesmo em "Magnólia". São muitos (quase 30) os personagens que habitam o Vale de San Fernando. Neuróticos, autodestrutivos, alguns divertidos, a maioria patéticos, todos estressados (e estressantes).
O personagem de Cruise é um falocrata que dá continuidade aos temas de "Boogie Nights". No seu filme precedente, Anderson contou a história de um rapaz bem-dotado que vira astro da indústria pornô. Ele aliena o corpo e a mente, seduzido por sonhos de consumo, como possuir o carro do ano (vermelho, ainda por cima). Cruise enriquece ensinando homens inseguros a enfrentar o que, para eles, é a ameaça feminina. O próprio personagem, claro, não superou o trauma de ter sido criado sozinho pela mãe, depois que o pai abandonou a família. Ela morreu de câncer em seus braços. Cruise é agora chamado a reencontrar o pai (Jason Robards), que também está morrendo de câncer.
Ele é casado com a personagem de Julianne Moore. Será Julianne a melhor atriz do cinema americano atual? Uma das melhores ela é, com certeza. Concorreu ao Oscar por "Fim de Caso", mas poderia ter sido indicada por "Magnólia". Que outra atriz possui duas interpretações assim brilhantes no currículo para ostentar, no mesmo ano? Julianne faz a mulher dilacerada pela culpa porque se casou por dinheiro, traiu o marido todas as vezes em que teve oportunidade e se apaixonou (por ele) justamente quando está morrendo.
Os demais personagens não são menos emblemáticos de um certo estado de coisas. Ajudam a compor o amplo painel que Anderson quer traçar sobre uma sociedade que aliena os corpos e destrói as mentes. William H. Macy faz o ex-garoto prodígio que virou um fracasso na idade adulta. Jeremy Blackman é o novo menino prodígio, que responde a perguntas num programa de TV e cuja carreira de gênio mirim é arruinada quando ele, no ar e desesperado para urinar, termina fazendo xixi nas calças. O apresentador do quiz show é Jimmy Gator, que tem uma filha drogada, porque o pai teria abusado dela na infância. Ela encontra um policial sensível e solitário. Ele perde a arma numa inspeção rotineira.
São alguns dos personagens cujas histórias se entrelaçam. Esse tipo de relato amplo não é novidade, mas Anderson mostra que ainda pode ser inovado. Ele não filma apenas simultaneamente as histórias. Às vezes faz com que a imagem de uma avance sobre o som de outra, joga com o tempo e o espaço de forma criativa, se não propriamente original. As cenas da vida de Altman convergiam para um apocalíptico terremoto, o que se pode esperar num filme sobre Los Angeles. O de Anderson rompe com o realismo. O apocalipse vem sob a forma de uma chuva de sapos.
O cineasta pode ter sido influenciado por um certo Charles Fort, que gosta de dizer que a saúde de uma sociedade pode ser conferida pela saúde de seus sapos. O fantástico, o inusitado, o insólito apenas acentuam o mal-estar provocado por essa visão apocalíptica da família, um tema que nunca saiu de moda e está mais atual do que nunca na passagem do milênio.