A música é um elemento intrínseco à vida do spalla e maestro Evgueni Ratchev. Desde os seis anos de idade, quando começou a estudar violino, ainda na Bulgária, ele tem o estudo e a dedicação à música como uma constância. Aos 74 anos, chegou em um momento decisivo da sua carreira, como se fosse o último movimento de uma grande sinfonia, com a aposentadoria da Osuel (Orquestra Sinfônica da UEL).

A despedida ocorreu no sábado (13) para um Cine Teatro Ouro Verde lotado, que se reuniu para apreciar um repertório que passou por obras de Strauss, Mozart e Tchaikovsky. Antes mesmo de as portas do Ouro Verde serem abertas, o público fazia uma longa fila no calçadão da rua Maranhão - inclusive, os ingressos esgotaram na tarde de sábado e muitos londrinenses não conseguiram acompanhar o concerto.

Logo após a apresentação, que foi aplaudida de pé, Evgueni foi homenageado pela UEL e pela orquestra, como forma de reconhecimento pela sua história. A última regência de Evgueni simbolizou um trabalho de 27 anos.

“A música representa uma vida. A música é a minha vida. Quando a gente estuda, sofre, se dedica, ela entra no DNA e não tem mais como sair dessa, só se tiver uma grande decepção ou uma impossibilidade de se fazer música”, disse à FOLHA durante um dos ensaios para o concerto.

O trabalho, que demanda esforço e dedicação, vale a pena ao observar o resultado final, acredita Evgueni. “Para você obter resultado, tem que estudar muito, para você sentir o que vem depois do trabalho.”

“A Osuel existia antes de mim, eu sou passageiro aqui. Mas meu objetivo foi sempre manter e  ajudar com o que eu posso"
“A Osuel existia antes de mim, eu sou passageiro aqui. Mas meu objetivo foi sempre manter e ajudar com o que eu posso" | Foto: Douglas Kuspiosz

LUTHIERIA

No seu ponto de vista, a aposentadoria é apenas uma questão formal. Não à toa, Ratchev continuará atuando na Orquestra de Câmara "Solistas de Londrina” e se dedicará à luthieria. A construção de instrumentos é algo tão importante para o maestro que, além de ter feito alguns dos violinos usados na Osuel, é responsável pelo instrumento do violinista Daniel Guedes, solista que participou da segunda obra da noite, “Concerto para violino n° 5”, conhecida como “turco”, de Mozart.

Perguntado sobre os momentos marcantes nas últimas décadas de orquestra, Ratchev prefere não escolher um concerto ou um dia específico, mas todas as apresentações em que as coisas deram certo. E a apresentação deste sábado é um desses exemplos, já que o repertório era tido como uma “prova de fogo” para o maestro e para os músicos.

“É cansativo e desgastante, mas no final vale a pena e todo mundo sente uma satisfação com isso. E talvez esses sejam os momentos marcantes, quando se cria um propósito. As pessoas crescem. É como um jogo de futebol importante, em que todo mundo se mobiliza”.

Imagem ilustrativa da imagem Maestro Evgueni Ratchev, uma vida dedicada à música
| Foto: Douglas Kuspiosz

'É UMA DESPEDIDA, MAS É UMA ALEGRIA'

Entre os vários amigos de Osuel, o contrabaixista Jorge Luiz Silva, 47, é um dos mais antigos. É praticamente uma vida de aprendizado, já que há 40 anos Jorge, ainda um estudante de música em Belém do Pará, acompanhava os concertos de Evgueni na cidade. Depois, entraram juntos na Osuel.

“É uma despedida, mas é uma alegria. Ele também precisa de um descanso profissional. Não descanso musical, porque ele com certeza vai continuar trabalhando”, ressalta o contrabaixista. “Ele deixou um registro muito grande de material, de músicas, de obras. Ele trouxe essa vontade de fazer coisas novas com a gente. Fico muito feliz vendo ele fazer essa despedida com os amigos.”

Outro companheiro, o violinista Nildo Rocha Baía, 55, descreve Ratchev como um músico didático e construtivo, que teve importante papel para a orquestra nesses 27 anos.

“É um misto de alegria e de tristeza. Porque a gente sabe que cada músico que a gente perde na orquestra, seja regendo ou tocando, é uma perda muito grande. Nós estamos, assim, felizes por esse concerto, mas de certa forma já sentimos falta de uma pessoa que está no dia a dia há muitos anos conosco”, completa Nildo.

EMOCIONANTE

E o público londrinense teve a oportunidade de se emocionar. A bancária Gisele Gimenez, 37, já conhecia a orquestra, mas fazia alguns anos que não assistia a uma apresentação. “Foi muito legal, muito emocionante. Meus filhos não conheciam e gostaram muito do ambiente, se divertiram bastante. Acho que foi um desfecho muito legal para toda a história dele”, diz.

Já a fisioterapeuta Julieta Barbosa Garcia Godinho de Castro, 57, descreveu o concerto como “belíssimo”. “Eu acompanho as apresentações aqui no Teatro desde que eu vim para Londrina. E tive a oportunidade de assistir a belíssimos concertos, e esse faz parte da coleção”.

CARREIRA

O primeiro contato de Evgueni com a música aconteceu dentro de casa. Natural da Bulgária, o jovem tinha a mãe, que cantava, e o pai, que tocava bandolim, como duas inspirações. Aos seis anos, começou a estudar violino e nunca mais parou.

Após passar por orquestras e se apresentar em vários países da Europa, Ratchev veio para o Brasil em virtude de um convênio entre o Governo do Pará e a Secretaria de Cultura da Bulgária para liderar um quarteto de cordas em Belém (PA), em 1987. A vinda para Londrina ocorreu em 1996, mas a cidade já era conhecida pelo músico por seu famoso FML (Festival de Música de Londrina).

“Quando abriu o concurso eu fiz, minha esposa [Irina Ratcheva] também fez. Ela é pianista da orquestra, e assim o destino nos uniu aqui. Meus filhos cresceram aqui em Londrina. 27 anos é uma vida, passou sem eu perceber”, relembra.

“A Osuel existia antes de mim, eu sou passageiro aqui, mas meu objetivo foi sempre manter e ajudar com o que eu posso. Porque eu sempre ajudava o maestro titular, [fazia] o trabalho com grande prazer. Às vezes até ensaiando o repertório que ele ia fazer, para manter a forma da orquestra”, acrescenta o músico, citando novamente outro exemplo esportivo. “A orquestra é como um treinamento em esporte: se deixar os músicos soltos, depois é muito difícil de recuperar.”

Em 2019, o músico precisou fazer duas cirurgias na região cervical, o que impactou no movimento do seu braço direito. “É um movimento específico que a gente precisa para tocar violino. Por fora é invisível, mas me abalou bastante. Mas eu voltei, estou estudando violino um pouco, mas avaliei que não vai dar para me esforçar muito, inclusive por recomendação médica, para não voltar a machucar aquele lugar”, descrevendo a cirurgia como “milagrosa”. “Foi esse meu momento que mudou um pouco, mas o resto das coisas não está me impedindo.”

No seu ponto de vista, a Osuel precisava continuar desenvolvendo seu trabalho cultural em Londrina, mesmo com as dificuldades estruturais que enfrenta. “Muita gente saiu, faleceu ou se aposentou, e começamos a encolher. E não abre concurso. O governo não abriu concurso, e nós temos que achar formas de repor essa orquestra”.