Perder uma pessoa querida é como ficar sem terra e sem céu, não ter para onde olhar, não ter mais o tempo para se agarrar. Definir o luto não é tarefa fácil. Nas palavras do poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, “o luto é um árduo e lento trabalho pelo interior de nossas emoções. É encaixar pedra por pedra de nossa perda, até termos um novo lugar de nossa sensibilidade para habitar, em que os mortos e vivos serão para

sempre amigos pacificados.”

Para entender o luto, Carpinejar escreveu “Manual do Luto – Todas as Dores do Mundo”, livro lançado pela editora Bertrand Brasil. A obra é uma conversa sobre a dor da perda e todas suas implicações e nuances: “Quem carrega um morto dentro de si é obrigado a nascer de novo. Os olhos mudam. A rotina muda. A relação com os familiares e amigos muda. Não tem como desligar uma chave e seguir como se nada tivesse acontecido.”

19 de junho, é considerado o Dia Nacional do Luto, uma data que sugere uma reflexão sobre a saudade eterna. A seguir Fabrício Carpinejar, autor de mais de 50 livros, fala sobre o luto, tema de sua mais recente obra.

LEIA TAMBÉM:

'Cartas para Nitis" entra em cena nesta quinta (20) em Londrina

Apesar de ser algo completamente natural, a morte ainda é um tabu. Por que você acha que evitamos encarar a morte? Por que evitamos conversar sobre ela?

É um reflexo da tirania da felicidade. Como se a felicidade fosse sinônimo de inconsequência, de inconsciência, da própria finitude. Não valorizamos a nossa saúde a partir dos nossos limites, não planejamos a nossa longevidade, não planejamos a nossa velhice, não planejamos sequer a velhice dos pais. Tratamos a morte como um acidente, uma fatalidade, um infortúnio e não normalizamos qualquer reflexão a respeito dela. É como se mantivéssemos um tabu primitivo, psicológico, de não falar dela para não atraí-la. Por outro lado, acontece uma negação dos nossos entes queridos. Como você não pode falar do luto ou falar da morte, você não pode prestar condolências e homenagens a quem partiu. Elas devem apenas seguir o cortejo do velório e do enterro, nunca ultrapassando o prazo de um mês, dois meses, três meses, quando o luto é para a vida inteira. Você não se cura de um luto porque o luto não é uma doença. O luto é um estado permanente. Seus olhos se modificam a partir da sua perspectiva. Você não vai enxergar um mundo da mesma forma, haverá uma ruptura da normalidade e você irá conviver com uma dor e saudade.

0 que levou você a escrever “Manual do Luto”?

Quis passar uma visão do luto que não partisse de uma perda pessoal, uma privação individual. Que pudesse enxergar o luto por cima, no todo, no conjunto de suas características, tempo e dinâmica. É um entendimento do luto de um fundo emocional, querendo mostrar que aquele que perdeu alguém importante em sua vida não está louco, não está fazendo drama, nem exagerando. A dor é real, às vezes mais real do que o nosso cotidiano. O título manual é justamente para mostrar que o luto tem todo um ritmo e organização, por isso não acontece de qualquer jeito. O luto funciona por ondas, ou seja, você passa por ciclos: negação, raiva, saudade e gratidão. Mas é necessário entender é que os ciclos não terminam, você não atinge um nirvana, você não se recupera do luto, você não cicatriza o luto. Os ciclos se desenvolvem alternadamente em sua vida. Você pode ter vários e vários desses ciclos ao longo de décadas. São ondas, umas maiores, outras, menores, mas que sempre doem como se a morte tivesse ocorrido ontem.

Fabrício Carpinejar: "O luto é um estado permanente, haverá uma ruptura da normalidade e você irá conviver com uma dor e saudade"
Fabrício Carpinejar: "O luto é um estado permanente, haverá uma ruptura da normalidade e você irá conviver com uma dor e saudade" | Foto: Annick Melo/ Divulgação

Podemos considerar uma injustiça do universo o inesperado falecimento de uma pessoa querida. Nos sentimos impotentes e desamparados, nos revoltarmos contra a vida. Com tantos sentimentos tumultuando a alma, como compreender o luto?

A maior injustiça é aquela feita com o falecido, cobrir uma existência inteira de silêncio e musgo, porque você não pode falar de quem partiu. Existe uma data de validade do luto pregada pela sociedade e que não faz nenhum sentido para a vida espiritual. Como você vai deixar de falar de alguém que foi decisivo e importante em sua vida de uma hora para outra? O luto não é saudade? Saudade não é amor? Então, nos obrigam a não sentir amor, a fazer o outro desaparecer. É um assassinato da memória.

O luto é considerado algo particular e intransferível, uma experiência individual de cada pessoa. Algo que em “Manual do Luto” você nomeia de “dor impenetrável”. O que fazer para acolher alguém abatido por essa dor?

O luto será particular, mas é um particular coletivo. Você, a partir da sua experiência de perda, entende muito melhor quem travessa a penúria da falta. Existe uma identificação entre os enlutados, pois o tempo passa a ser e agir de outra forma.

Quando você tem um luto, você é capaz de ficar um dia inteiro em silêncio sem perceber, porque o silêncio é uma forma de conversar consigo mesmo. Ver as recordações daquele que partiu. Não podemos tratar as dores da perda de modo funcional, utilitário. É como se a gente tivesse que converter a dor em uma outra coisa produtiva, rentável para a sociedade. O luto é como um terreno baldio em nossa vida, que não deixará de ser um terreno baldio. Você vai construir uma casa lá para si, para a sua memória. Você não vai habitar aquela casa. É um espaço que fica eternamente vago em sua vida. Assim como quem perde um filho jamais consegue ocupar o quarto do filho morto. Você tem uma redução de espaço na sua vida e aprende a respeitar uma ausência como se a pessoa estivesse presente.

Em “Manual do Luto” você afirma que é preciso abraçar o luto. Qual seria a melhor maneira de abraçar o enlutado?

O melhor tratamento que você pode oferecer a um enlutado é não pressionar, não ficar em cima, não passar a oferecer soluções, não apressar as etapas dos ciclos do luto, não querer que a pessoa volte a sorrir ou socializar-se com facilidade. É ter a noção de que a pessoa também mudou e não vai apresentar o mesmo comportamento de antes. Ela será mais reservada e mais discreta. Todo mundo que chora é mais discreto.

SERVIÇO

“Manual do Luto”

Autor - Fabrício Carpinejar

Editora – Bertrand Brasil

Páginas – 144

Quanto – R$ 49,90 (papel), R$ 32,90 (e-book) e R$ 25,90 (audiolivro)