Luiz Ruffato conta seis histórias cheias de angústia e sofrimento em novo livro
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terça-feira, 04 de janeiro de 2000
Por Ricardo de Souza
São Paulo, 04 (AE) - Cataguases é uma pequena cidade da Zona da Mata mineira com cerca de 50 mil habitantes. Suas ruas de paralelepípedos e casas de janelas baixas guardam poucas atrações num primeiro olhar. Mas da aparente tranquilidade da cidade e de seus habitantes o escritor Luiz Ruffato - nascido em Cataguases - extraiu um universo rico em dramas e sentimentos quase sempre infelizes. Essa foi a matéria-prima de seu primeiro livro, "Histórias de Remorsos e Rancores", lançado em 1998.
Agora, Ruffato, que é secretário de Redação do "Jornal da Tarde", volta a transformar sua cidade natal num palco por onde desfilam personagens marcados pela angústia, frustração e ambição. Em (os sobreviventes), que deve ser lançado em fevereiro, o escritor amplia histórias fadadas a um ambiente microscópico e as transforma numa fascinante análise da condição humana. "É uma tentativa de resgatar histórias para observá-las de fora", explica Ruffato.
O livro é dividido em seis contos - ou histórias, como prefere o autor -, todos recheados de personagens tristes e ligados a Cataguases, direta ou indiretamente. Não são histórias reais. Nem a cidade é exatamente como o autor descreve. "Não reconheço a cidade como escrevo; dei um sentido mítico a ela", afirma Ruffato. Insatisfação - Cada história parte, de maneiras e estilos diferentes, da insatisfação do homem com sua condição de ser finito e sua consciência disso. Em "A Solução", Ruffato narra a história de operárias cansadas da rotina do trabalho na fábrica de tecidos e que sonham com a chegada do grande amor. O escritor Malcolm Silverman escreve, no prefácio, que esse amor confirma-se como uma ilusão: "Elas são cinderelas brasileiras, cujos clichês familiares dicotomizam-se em papéis convencionais dentro de variações imemoráveis".
O estilo usado por Ruffato para passear com seus personagens por presente e passado é uma das razões pelas quais seu trabalho anterior recebeu elogios da crítica. Em "Carta a uma Jovem Senhora", o protagonista relembra, num quarto de hotel de quinta categoria, entre um cigarro e um gole de uísque, seu grande amor na juventude. Ruffato divide a narrativa entre presente, passado distante e passado recente para mostrar o sofrimento do personagem com a frustração amorosa. Que ninguém espere um final feliz.
O autor retorna ao vaivém temporal em "Aquário", último conto de (os sobreviventes). Assim como as histórias anteriores, a morte está presente. O protagonista, Carlos, volta a Cataguases para o enterro do pai. Decide levar a mãe para Guarapari, no Espírito Santo. Num diálogo com a mãe durante a viagem, ele repensa sua vida, passada quase toda fora da cidade natal. Surgem dúvidas e também certezas de que foi melhor manter-se afastado da família.
A visão um tanto pessimista da condição humana mostrada por Luiz Ruffato é extremamente particular. "Os personagens são de classe média baixa e vivem numa sociedade injusta", define o autor. "É muito pouco provável que sejam diferentes do que são". Essa facilidade para descrever uma vida pequena e mundana fez com que alguns críticos detectassem no estilo de Ruffato um quê de Chekhov. Para o escritor, há muitas histórias a serem contadas observando as pessoas comuns que estão à nossa volta. "Existem escritores que têm histórias para contar, outros para escrever; me enquadro no segundo caso", diz Ruffato. "Minha preocupação formal é muito grande".
Com (os sobreviventes), Ruffato confirma o talento mostrado no trabalho anterior. Sua personalidade e originalidade para criar sua dimensão lúgubre habitada por personagens tristes ainda devem dar no que falar. O melhor, porém, está por vir: o autor prepara o lançamento do primeiro romance, que vai reunir boa parte dos personagens que habitam seus contos. Mas essa já é outra história.