Com 46 anos de jornalismo dedicados a ouvir, contar e dar voz às mais diversas histórias, Ney Inácio tem a inquietude da vida de repórter e a sensibilidade de quem conhece o poder transformador da comunicação. Nem mesmo os desafios de saúde interrompem seu ritmo.

Também produtor cultural, documentarista, escritor e diretor teatral, ele usa sua extensa bagagem para se dedicar a projetos que aproximam mundos e abrem caminhos.

Londrinense de origem, Inácio viu na arte audiovisual uma nova extensão da profissão, e isso se reflete em obras cinematográficas como “Leny, A Fabulosa” (2015), “Mulheres de São Chico” (2023) e “Os Últimos Caiçaras da Ilha” (2025).

Foi com esse impulso que idealizou o Cine Rancho, há três meses. A iniciativa leva sessões gratuitas de cinema à comunidade de pescadores na praia de Ubatuba, em São Francisco do Sul (SC), onde vive atualmente.

Independente, o projeto é realizado em um espaço improvisado no Rancho dos Pescadores, à beira-mar. A estrutura é simples e simbólica: o pequeno telão é esticado entre dois remos, cercado por areia, redes e barcos. Para que cada sessão aconteça, ele conta com a ajuda dos próprios moradores, que esticam longos fios de energia elétrica das casas próximas até o local da exibição para instalar o projetor.

Os próprios pescadores ajudam a montar o telão e esticam fios elétricos de casa para instalar o projetor do Cine Rancho na praia
Os próprios pescadores ajudam a montar o telão e esticam fios elétricos de casa para instalar o projetor do Cine Rancho na praia | Foto: Acervo pessoal

DA VILA BRASIL À SC

A ideia surgiu de uma lembrança de sua infância: o Cineminha da Vila Brasil, em Londrina, nos anos 50 e 60. As sessões ocorriam com a mesma simplicidade, com filmes projetados sobre um grande lençol branco na parede de um armazém, atraindo grande público para assistir a clássicos como os de Mazzaropi.

Para ele, o objetivo, além de aproximar o cinema da comunidade com obras variadas, é conquistar o espaço que não encontrou em sua cidade natal para divulgar sua própria filmografia – e o resultado foi mais do que positivo. Ao contrário de sua expectativa inicial, Inácio conta, em entrevista à FOLHA, que ficou surpreso ao ver que a primeira sessão do Cine Rancho reuniu cerca de 200 pessoas.

“Você não sabe a emoção que eu tive no primeiro dia quando vi aquele monte de gente chegando com cadeirinha de praia na mão e até pipoca de casa. Famílias inteiras, com pai, mãe, filho, filha, cachorro, todo mundo arrumando seu lugar e os meninos lá [pescadores] orientando”, relembra emocionado.

“Começou a juntar gente e deu supercerto. Fiquei mais feliz do que quando tinha 30 milhões de audiência na TV. Porque foi um trabalho autoral, de formiguinha, sem envolver dinheiro ou interesses. Foi só por amor à arte mesmo. Quem foi, assim como quem fez, é porque gosta", diz com orgulho.

Ney Inácio: "Foi emocionante ver aquele monte de gente chegando com cadeirinha de praia e pipoca na mão para assistir ao filme"
Ney Inácio: "Foi emocionante ver aquele monte de gente chegando com cadeirinha de praia e pipoca na mão para assistir ao filme" | Foto: Pamela Destacio

O projeto não se limita às exibições. O Cine Rancho se tornou um espaço de encontro, diálogo e trocas, com reflexões e conversas sobre os filmes apresentados. Animado com a receptividade, o idealizador já pensa em dar um novo passo: incentivar e oferecer apoio para os próprios pescadores se aventurarem na produção audiovisual.

OFICINAS DE AUDIOVISUAL

Além do Cine Rancho, o repórter também coordena oficinas gratuitas de cinema para crianças e adolescentes da comunidade, utilizando apenas celulares como ferramenta de produção. As aulas, ministradas duas vezes por semana em uma escola municipal da região, ensinam noções de fotografia, roteiro e ética audiovisual, como forma de despertar o interesse para atuação como editores, roteiristas e cineastas amadores.

Depois de aprenderem o básico, cada aluno é incentivado a produzir um curta-metragem de até dez minutos. No final do curso, são realizadas mostras simbólicas para premiar os filmes e valorizar o esforço da criançada. “É uma semente que estou plantando”, diz.

Para Inácio, além de projetos sociais, tanto o Cine Rancho quanto as oficinas de audiovisual são uma fonte de força diante dos desafios que enfrenta em sua vida pessoal.

ARTE COMO CURA

Entre idas e vindas a Londrina para dar continuidade ao tratamento oncológico que realiza há três anos, Ney Inácio encontrou na arte uma verdadeira aliada em sua recuperação. “O tratamento do câncer é 50% medicamentoso e 50% cabeça, controle”, afirma. Para ele, manter-se produtivo e sentir-se útil é fundamental: “Você morre mais cedo se for para o sofá. Fuja do sofá. A doença gosta de pessoa frágil”.

Aos 70 anos, com disciplina rigorosa nos medicamentos, na alimentação e nos exercícios físicos, ele acredita que a criatividade e o envolvimento com seus projetos são essenciais para sua saúde. “A arte cura. Eu estou sentindo na pele que a arte cura”, reforça.

Determinado a continuar em movimento, ele luta contra qualquer tentativa de ser colocado à margem: “É uma questão de sobrevivência também”.

PRÓXIMAS NOVIDADES

Ainda sem data oficial, o incansável contador de histórias prepara o lançamento de seu livro autobiográfico "O Menino Que Virava do Avesso", em que resgata memórias de suainfância – obra que também planeja levar para as telonas.

Paralelamente, trabalha em outro livro, desta vez dedicado à sua carreira profissional, revelando detalhes dos bastidores do jornalismo, onde conquistou prestígio e acumula prêmios nacionais importantes. Sabendo administrar com facilidade esses e outros diversos planos, ele garante, com bom humor: “Querem me aposentar, mas não vão conseguir”.

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