Uma música vinda da janela de um apartamento. O encontro inusitado em um ponto de ônibus. O cheiro de pipoca em uma sala de cinema. O entendimento do mundo em um balcão de supermercado. O canto de um pássaro se espalhando pelas ruas.

A observação do cotidiano marca as crônicas do escritor londrinense Fernando Antonio Prado Gimenez. Seu novo livro lançado pela editora Caravana, “O Clarinetista na Janela”, reúne crônicas inspiradas em caminhadas por espaços públicos de Curitiba e Londrina.

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Com uma escrita límpida, Gimenez trabalha com uma narrativa que convida o leitor para uma conversa sincera sobre leituras afetivas da realidade. Aquela realidade mais corriqueira que as pessoas experimentam, de maneira distraída, no ambiente urbano.

Nascido em Londrina, o autor vive há duas décadas em Curitiba atuando como professor da Universidade Federal do Paraná. A seguir, Fernando Antonio Prado Gimenez fala sobre seu novo livro e sua escrita.

A matéria-prima de suas crônicas está na observação do cotidiano ou na imaginação?

Para mim, a escrita de crônicas surge principalmente a partir da observação do cotidiano. Às vezes, intencionalmente, outras vezes guiado pelo acaso. De repente, algo, alguém ou um acontecimento me atraem a atenção. Porém, penso que só a observação do cotidiano não é suficiente. É claro que a imaginação tem que estar presente. Por exemplo, na crônica “A Gorda do Tarô de Marselha” está presente a observação do cotidiano, junto com uma boa dose de imaginação. Eu adicionaria mais um ingrediente na escrita das crônicas: a lembrança ou memória. Em “Para um Leitor Desconhecido”, há uma boa mistura de cotidiano, lembranças e imaginação. Dessa mistura de matérias-primas brota meu prazer na escrita. Escrever é algo muito prazeroso para mim.

A sua forma de escrever crônicas seria uma maneira de ler a realidade, de conferir sentido à realidade, ou de se relacionar com a realidade? Ou tudo junto ao mesmo tempo?

Sua pergunta é muito interessante porque ela pode ser respondida de forma muito breve e objetiva: é tudo junto ao mesmo tempo. No entanto, a escrita de crônicas para mim, em alguns momentos, é principalmente um exercício de ler a realidade. Só que essa leitura, que reproduzo na escrita, tem que ter alguma poesia, algum sentimento, alguma emoção. Só ler a realidade é insuficiente, até sem graça, eu diria. É o que tentei fazer na crônica que dá título ao livro. Outras vezes, tento, como você diz, conferir algum sentido à realidade, até mesmo criticá-la, como na crônica “Sons do Cotidiano”. Por fim, há algumas crônicas em que o lidar ou me relacionar com a realidade se tornam a tônica. Um bom exemplo é a crônica em que discorro sobre os pequenos negócios do bairro onde resido atualmente.

Em uma das histórias presente em “O Clarinetista na Janela” você diz que “a escrita é, antes de tudo, um falar consigo mesmo”. Como você define essa conversa?

Falar comigo mesmo é um tipo de conversa muito presente em minha vida. Aprecio muito os momentos de solidão. Quando sozinho, seja em casa, no trabalho, ou em minhas caminhadas, aproveito para refletir sobre a vida. Surgem questionamentos, inspirações, resoluções. Talvez, seja um aspecto de meu viver associado a uma alta dose de introversão e timidez. Às vezes é mais fácil falar comigo mesmo do que com os outros. Assim, também na escrita não vinculada à academia, estou sempre falando comigo mesmo. Com a esperança, quase óbvia, de que esse monólogo interior possa atrair outras leituras, outros ouvidos. Na crônica “O Vento e as Folhas” vejo um exemplo em que a escrita foi, antes de tudo, esta conversa comigo mesmo. Depois virou texto. Já na escrita acadêmica, em geral, se manifesta uma conversa com outros pares. A necessidade ou obrigação de compartilhar descobertas e conhecimento.

Algumas das crônicas que integram “O Clarinetista na Janela” fazem referências diretas a filmes. Qual o papel do cinema em sua escrita?

Na verdade, o cinema tem um papel fundamental em minha vida. Sou cinéfilo desde a adolescência. Anos atrás, cursei uma especialização em cinema aqui em Curitiba. O cinema, assim como a escrita e a leitura, é outra forma de tentar entender o mundo, me relacionar com ele, me emocionar. Especialmente nas salas de cinema, assistir um filme é, para mim, um mergulho em uma realidade paralela, na qual vou vivenciar emoções diversas que me ajudarão a lidar com a realidade fora das salas de cinema. Dessa forma, o cinema é uma fonte contínua de conversas comigo mesmo. E, de vez em quando, surge em crônicas minhas.

Em seu livro anterior, “Nos Tempos do Gimenez” de 2021, você retrata as memórias de uma vida em Londrina nas décadas de 1960 e 1970 residindo na Rua Paranaguá e atuando no histórico Supermercado Gimenez. Londrina, de alguma forma, influenciou sua literatura?

Nasci em Londrina em maio de 1957 quando meus pais já tinham o comércio na Rua Paranaguá. Hoje, chegando aos 67 anos, percebo que pouco mais da metade de minha vida passei em Londrina. Foram meus anos de infância, adolescência e juventude. Foram anos também de formação profissional e de trabalho junto com meus pais inicialmente e depois na Universidade Estadual de Londrina. Minhas filhas, Paloma e Fernanda nasceram em Londrina. Me mudei para Maringá em1998, e depois para Curitiba em 2003. Meus tempos de vida em Londrina estão sempre em minhas lembranças. Isto, de certa forma, influencia a minha escrita. E, também, surgem em meus escritos, seja na forma de memórias como o livro que lancei em 2021, seja inspirando contos que também gosto de escrever. “Chuva na Rodoviária” é uma crônica ‘londrinense’.

SERVIÇO:

“O Clarinetista na Janela”

Autor – Fernando Antonio Prado Gimenez

Editora – Caravana

Páginas – 70

Quanto – R$ 60

Onde encontrar – Site da Editora Caravana