Flávia Stricker já tinha uma longa estrada musical quando deixou o Brasil, quase cinco anos atrás, para viver na Europa, por motivos pessoais. Licenciada em Música pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), iniciou a educação vocal aos 10 anos, no coral infantil, e depois juvenil, da universidade, sob regência de Lucy Schmidt. Mas, já cantou com o pai em eventos, casamentos, formaturas, além de já ter integrado bandas baile, bandas de rock e grupo vocal. De volta ao Brasil, na semana passada, a bagagem que trouxe foi diferente: o canto lírico. E vai voltar para Zurique, na Suíça, onde mora, simplesmente com o primeiro lugar de um dos prêmios mais renomados do gênero: o Concurso Maria Callas.

“Meu objetivo no Maria Callas era ser vista no Brasil como cantora de ópera, porque comecei a estudar fora. E a competição seria uma oportunidade de ser ouvida. Acho que deu certo!”, conta Flávia. Além do primeiro lugar na categoria feminina e um prêmio de R$ 8 mil, Flávia já conversou com um agente e fechou com ele ser agenciada. “O concurso proporciona essa visibilidade, abre portas de trabalho para jovens artistas. Eu buscava isso, para poder trabalhar no Brasil, voltar com mais frequência, fazer óperas em português e estimular essa cultura por aqui”, ressalta a artista.

Flávia Stricker ganhou o primeiro prêmio do Concurso Maria Callas na categoria feminina
Flávia Stricker ganhou o primeiro prêmio do Concurso Maria Callas na categoria feminina | Foto: Adriano Escanhuela/ Divulgação

Entretanto, quem a vê no palco levando o primeiro lugar no maior concurso do gênero da América Latina não imagina os desafios que enfrenta. Depois de formada em Música, um pouco antes da pandemia, em 2019, ela se mudou para a Alemanha. Lá, trabalhou por quatro anos como babá. E, apesar de toda a trajetória musical no Brasil, decidiu encarar um novo projeto: estudar canto lírico. “Não era algo que eu tinha em mente, não foi planejado. Mas, no fim das contas, foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.” Em Londrina, ela já havia feito algumas aulas com o tenor João Miguel. Todavia, na Alemanha, as oportunidades são muito maiores.

LEIA TAMBÉM:
The Wild Jumps (EUA) se apresenta no Barbearia nesta terça-feira (26)

Em 2021, depois gravar vídeos em karaokê, ela foi aceita para estudar canto erudito na escola de música Musikhochschule Lübeck, com a professora Manuela Uhl. Não deu um ano, foi transferida para o mestrado. “Ela viu potencial em mim, então, me passou para o mestrado. Hoje, há seis meses, moro na Suíça porque consegui uma vaga num ópera estúdio, onde faço produções com o teatro de ópera de Zurique”, diz. O importante ali são os contatos e o networking com protagonistas, artistas de renome, coachs, professores e produtores. Flávia tem uma agência em Munique que fecha muitos contratos para concertos públicos e aprovados pela Europa.

PRÊMIOS NA EUROPA

Incentivada pela professora Manuela, Flávia começou a participar de competições de canto lírico em 2023. O primeiro foi o Annelise Rothenberger Competition, na Alemanha, no qual ela ganhou um prêmio equivalente a uma menção honrosa, no valor de 1.000 euros. O segundo foi o 9º CLIP Competition Porto Fino Itália, onde ficou em segundo lugar, com um prêmio no valor de 4.000 euros. “Eu só queria chegar na final, porque você canta no concerto final, o concerto é gravado e vai para o Youtube, há uma visibilidade. No fim, ganhei em segundo e pensei que talvez fosse o momento de fazer competições mundo afora.”

Aí, então, ela decidiu se inscrever no Maria Callas. “Pensei que seria o momento perfeito para tentar a competição. Comprei passagens, pedi semanas de férias, me inscrevi, passei na fase eliminatória, através de vídeo, fui para a semifinal, que foi dia 18 de março, e no dia seguinte anunciaram os finalistas. Dois dias depois foi a fase final. Após as audições, já anunciaram as colocações. Eu fui premiada com o primeiro prêmio na classe feminina, com R$ 8 mil”, resume.

A INTERPRETAÇÃO

Na semifinal, Flávia cantou a ária das joias, de Faust do Gounod e Ach, "Ich fühls", da Flauta Mágica de Mozart. E na final, "Si, Mi Chiamano Mimi" de La Boheme de Pucinni e "Depuis le Jour", de Louise de Charpentier. “No júri tinha gente da Itália, da França, do Brasil. E eles avaliam tudo, não só a voz e a técnica. Mas, também, a interpretação, a pronúncia, já que eu cantei em alemão, francês e italiano, a musicalidade, o uso das dinâmicas musicais e a emoção”, observa. Ao receber o prêmio, Flávia sente-se validada. “É uma confirmação de que estou no caminho certo, uma validação, de que valem as noites mal dormidas, as frustrações e os perrengues de morar fora do Brasil sozinha. É o reconhecimento de muita resiliência, de que estou tomando as decisões certas na minha carreira.”

Além disso, é o início de sua carreira de canto lírico no Brasil. “No Brasil não são muitas produções de ópera por ano. As cidades do interior não têm essa cultura do canto erudito. O público não escuta esse tipo de música e não temos apoio financeiro de instituições. É muito difícil viver como artista no Brasil, sempre pagando para trabalhar e ter visibilidade. Lá fora é diferente, temos mais suporte, apoio, vagas e as cidades pequenas têm muitas produções, teatros, casas de óperas, fazem produções o ano todo e contratam os artistas, gerando movimento e oportunidades de trabalho.” Mesmo assim, Flávia pretende vencer esses desafios no Brasil e contribuir para transformar esse cenário.