Jules Hay está morando em Londrina há quase cinco meses. Nascido em Londres, o guitarrista acaba de lançar o álbum "From London to Little London", uma produção 100% londrinense em que o tempero da música brasileira e o jazz latino são servidos na medida certa para destacar um sabor amplamente difundido em sua terra natal a partir da segunda metade da década de 1960.

Conhecido como a mistura do jazz com o rock, funk e o rhythm and blues, entre outros estilos, o fusion dá aos músicos a liberdade para improvisarem e se comunicarem ao redor de um tema central, um estilo que teria sido executado ao vivo se não fosse o fator "Covid-19". À FOLHA, Hay adiantou que a parceria com artistas de Londrina deverá render novas composições que deverão fluir sobre ideias que nasceram de suas experiências pelo mundo, dentre elas, uma longa jornada pela terra do guru do beatle George Harrison, o indiano Ravi Shankar.

Para entender como Londrina entrou no roteiro de um típico europeu apaixonado pela conquista de novos territórios é necessário voltar ao ano de 1996. Foi quando o hoje produtor musical londrinense Alexandre Bressan excursionou com a Core, embrião de outra banda que fez bastante barulho na cena de death metal da América Latina, o Subtera. À época, Hay integrava a Parricide e suas referências de música "brasileira" apontavam mais para a lendária Sepultura do que para o maestro Tom Jobim. Ao lado da francesa D.A.B., as três bandas realizaram 20 shows em cidades da República Tcheca, França, Reino Unido e outros países.

“Acabamos convivendo por quase um mês e como eu falava bem inglês eu convivi bastante com o pessoal do Parricide. Depois, através do Facebook, o Jules me localizou e disse que viria para o Brasil. O Jules viaja muito, sabe? É um dos grandes interesses da vida dele, então não é incomum ele passar seis meses fora”, conta Bressan.

Jules Hay: Londrina Funk" é uma das faixas marcantes do disco
Jules Hay: Londrina Funk" é uma das faixas marcantes do disco | Foto: Thiago Agryas/Madeira Filmes/ Divulgação

No reencontro, em fevereiro de 2019, Hay ficou fascinado pelo estúdio do parceiro londrinense e uma jam session foi armada a partir do multi-instrumentista Diogo Burka, responsável pelo contrabaixo das dez faixas do disco. Também colaboraram o baterista Roger Aleixo e o tecladista Thiago Ueda naquilo que seria o início de tudo. O percussionista das bandas Mamaquila e Bloco Bafo Quente, Duda de Souza, também foi convocado e é o responsável pelo abre alas de From London to Little London logo na faixa de abertura, Baião do Mar. O ambiente criado para receber a guitarra de Jules Hay confessa logo de cara o que havia acontecido: o europeu estava à vontade em Londrina, entregue à brasilidade.

O samba também está presente nas faixas "Vinho e Samba" e "Maraca Too Blue". Já em "Início", que encerra o álbum, a levada brasileira permeia os quase dez minutos de uma bossa intrigante e cheia de surpresas. Em "Londrina Funk", o baterista Roger Aleixo assume influências do afrobeat em um groove moderno e nada quadrado, cujo fio condutor é o tema apresentado pelo contrabaixo, como fez Marcus Milles em "Detroit". "Londrina Funk" é um dos pontos marcantes do disco, que ainda leva o ouvinte a "Um Lugar Para Chamar De Lar", onde a guitarra é deixada de lado e o timbre do violão de cordas de nylon deixa o clima introspectivo e emocionante.

Masterizado por ninguém menos do que Carlos Freitas, vencedor de 26 Grammys Latinos como engenheiro de áudio, "From London To Little London "também contou com a assinatura do designer Henrique Medina, Cafeteria Filmes e fotografia de Thiago Agryas, todos londrinenses.

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. | Foto: Thiago Agryas/ Divulgação

Londrinense por acidente

From London to Little London é interessante do início ao fim e tem sido bem recebido em veículos especializados em jazz e música instrumental. Porém, outras duas faixas chamam a atenção também por seus títulos - Accidental Citizen e Survival Of The Fittest, já que fazem menções ao momento que o artista e a humanidade já atravessavam quando da fase final das gravações, em abril. Diferentemente do restante, "Cidadão Acidental” e “Sobrevivência do Mais Apto”, em tradução livre, contaram com a bateria de Elton Dias e tiveram o teclado e o baixo gravados remotamente por conta do isolamento social.

Ao ser provocado, Hay confessou que as músicas são autoexplicativas e resultaram de um esforço espiritual para manter-se “positivo”, especialmente depois de ver cancelada a turnê de lançamento que passaria por Curitiba, São Paulo e outras cidades do interior dos dois estados. “Eu vim para o Brasil e investi nesta viagem, estava muito animado para tocar ao vivo e acabei me tornando um ‘londrinense por acidente’. E SOTF é porque me graduei em biologia e sempre me interessei pela Teoria da Evolução. Apesar de toda a tecnologia a favor da ciência e da medicina moderna, continuamos muito vulneráveis às leis da natureza”, avaliou.

O objetivo é retornar à Inglaterra em setembro, mas não sem deixar algumas ideias registradas, a base de um segundo disco em parceria com os velhos e novos amigos. "Quero trazer outras influências, talvez do reggae. Também sou um fã da música indiana, viajei muito pela Índia e acho que seria interessante incorporar elementos da World Music. É um time vencedor que tivemos, uma vibe muito boa. Alex (Alexandre Bressan) é um grande produtor e a vantagem é que podemos gravar remotamente", comemorou.

Sobre o que vai levar na bagagem, destacou as novas amizades e os sorrisos dos brasileiros, que "estavam sempre lá, não importa o que aconteça, até com essa pandemia", alegrou-se. "Todos aqui foram muito amigáveis".

Confira o teaser de From London to Little London