Livros abordam a encruzilhada da informação
No livro 'A Máquina do Ódio', Patrícia Campos Mello escreve como as fake news na política estão alterando o destino da imprensa e transformando-a em “inimiga"
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
No livro 'A Máquina do Ódio', Patrícia Campos Mello escreve como as fake news na política estão alterando o destino da imprensa e transformando-a em “inimiga"
Marcos Losnak
Não se trata mais de suposição. Trata-se de um fato provado e comprovado: as redes sociais tornaram-se parte determinante da política e determinam as eleições de um país. O grande drama é que as novas tecnologias que se apresentavam como ferramentas de democratização da informação, se revelaram também o oposto: ferramentas de manipulação de informação.
Num oceano de fake news, ódio e violência virtual, as redes sociais se tornaram a principal ferramenta dos políticos e governantes populistas para o controle da narrativa. Um controle realizado através da criação de uma realidade desvinculada dos fatos. Nesse processo, políticos e governantes elegeram como grande inimigo a imprensa profissional, justamente aquela que procura oferecer uma narrativa vinculada aos fatos.
Em seu novo livro “A Máquina do Ódio”, a jornalista paulista Patrícia Campos Mello revela como as redes sociais se tornaram ferramentas de manipulação da realidade nas mãos de líderes populistas. E como se estruturam as campanhas de ódio e difamação propagadas por “trolls”, “bots”, ou militantes patrióticos como instrumento de eliminação da realidade dos fatos.
Lançado pela editora Companhia das Letras, em “Máquina do Ódio” Patrícia Mello apresenta sua experiência como jornalista investigativa do jornal Folha de São Paulo em reportagens sobre a utilização das redes sociais nas campanhas eleitorais presidenciais de 2018. Entre as suas reportagens mais conhecidas, está a série publicada em 2019 em que mostrava como a campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro criou a terceirização do chamado “caixa dois”. Como a nova lei eleitoral tornava crime a doação de dinheiro de empresas privadas às campanhas eleitorais, empresários teriam financiado de maneira ilegal e invisível o disparo em massa, via bots, de fake news e propaganda eleitoral que teriam favorecido a eleição do novo presidente, bem como também de novos deputados e novos senadores.
TECNOPOPULISMO
O livro de Patrícia Mello pode ser considerado uma versão brasileira de “Os Engenheiros do Caos”, obra do jornalista italiano Giuliano Da Empoli publicado no final de 2019 pela editora Vertígio. Obra que expõe como políticos de países como Itália, Hungria, Inglaterra, Brasil e Estados Unidos (que ele nomeia de “tecnopopulismo”) utilizaram as redes sociais como ferramentas de manipulação de informação para criar a chamada “nova política”.
O que ambos os livros demonstram, é que os tecnopopulistas precisam de objetos claros e declarados para elegerem como inimigos. E a imprensa profissional está entre os inimigos eleitos. Como os tecnopopulistas construíram nas redes sociais suas próprias redes de informação, alegam que não precisam mais da imprensa. E para que suas redes de informações sejam legitimadas como verdade, o método consiste em agredir e desqualificar a imprensa, acusar jornalistas de mentirosos, falsários, ideológicos e não patriotas. Ter controle sobre a informação, fora da imprensa, é a maneira mais fácil de manipulá-la.
Ambos os livros ampliam a abrangência de outro livro, “Como as Democracias Morrem”, dos professores da Universidade de Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. Publicada pela editora Zahar em 2018, traz a tese de que as democracias do mundo contemporâneo não são mais abaladas por revoluções externas e violentas, mas abaladas por dentro, através da degradação calculada de suas instituições.
Em pesquisa da Datafolha de outubro de 2018, 46% dos eleitores declararam que se informavam sobre política e eleições através do WhatsApp e Facebook. Segundo pesquisa da MIT (Massachusetts Institute of Technology) de 2019, nas redes sociais as notícias falsas têm probabilidade 70% maior para serem propagadas do que as notícias verdadeiras. E as notícias verdadeiras levam seis vezes mais tempo que as fake news para atingir as pessoas.
Segundo informações da própria empresa do WhatsApp, o Brasil possuía 120 milhões de usuário segundo a última estimativa oficial de 2017. O Facebook divulgou números semelhantes na época, 120 milhões. Os últimos dados de TSE (Tribunal Superior Eleitoral) indicam o Brasil possui 148 milhões de eleitores. A matemática é simples.
Nas palavras de Patrícia Mello, uma informação falsa segue um caminho fácil: “Uma vez ‘impulsionada’, a narrativa é então propagada naturalmente pelas redes orgânicas, que são pessoas de carne e osso que acreditam naquilo que está sendo veiculado. Trata-se da disseminação de uma informação, que pode ser mentirosa, em um fluxo constante, repetitivo, rápido e em larga escala. As pessoas são bombardeadas de todos os lados por uma notícia (WhatsApp, Facebook, Instagram, Twiter) e essa repetição lhes confere uma sensação de familiaridade com determinada mensagem. A familiaridade favorece o sujeito a aceitar certos conteúdos como verdadeiros. Muitas vezes esse será o primeiro contato que ele terá com determinada notícia. E essa primeira impressão é muito difícil desfazer.”
Serviço:
“A Máquina do Ódio – Notas de uma Repórter Sobre Fake News e Violência Digital”
Autora – Patrícia Campos Mello
Editora – Companhia das Letras
Páginas – 196
Quanto – R$ 39,90 e R$ 27,90 (e-book)
“Os Engenheiros do Caos – Como as Fake News, as Teorias da Conspiração e os Algoritmos Estão Sendo Utilizados Para Disseminar Ódio, Medo e Influenciar Eleições”
Autor – Giuliano Da Empoli
Editora – Vertígio
Tradução – Arnaldo Bloch
Páginas – 192
Quanto – R$ 44,90 e R$ 31,90 (e-book)