Livro traz uma perspectiva feminina da evolução da espécie humana
A cientista Cat Bohannon percorre os últimos 200 milhões anos para descrever a história da evolução humana através do corpo feminino
PUBLICAÇÃO
quarta-feira, 18 de setembro de 2024
A cientista Cat Bohannon percorre os últimos 200 milhões anos para descrever a história da evolução humana através do corpo feminino
Marcos Losnak/ Especial para a Folha 2
As evidências demonstram que o mundo do corpo humano foi determinado pela ótica masculina. A ciência, ao longo dos séculos, deixou o corpo das mulheres de lado. Os estudos da evolução – dos humanoides primitivos ao Homo Sapiens – também ficaram reféns de uma abordagem exclusiva do corpo masculino.
Esta é a constatação da cientista evolucionista Cat Bohannon e ponto de partida de seu livro “Eva – Como o Corpo Feminino Conduziu 200 milhões de Anos de Evolução Humana” lançado pela editora Companhia das Letras. A obra realiza uma leitura da evolução do Homo Sapiens a partir do corpo feminino.
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Ao longo das páginas a autora demonstra como o corpo das mulheres evoluiu de maneira distinta dos corpos dos homens. Em cada capítulo aborda as diferenças e particularidade do corpo feminino ao longo de 200 milhões anos de processo de evolução: o leite, o útero, a percepção sensorial, as pernas, o cérebro, a voz, o sexo, a menopausa, e a capacidade de desenvolver ferramentas de sobrevivência.
No passado longínquo e hostil, por exemplo, o Homo Sapiens não conhecia a menopausa porque quase nenhuma mulher sobrevivia além dos 30 ou 35 anos. Com o aumento da expectativa de vida no surgimento das civilizações, as mulheres passam a conhecer a menopausa. Nas palavras de Cat Bohannon, “embora os mecanismos da menopausa sejam fisiológicos, ser uma espécie ‘menopausável’ talvez seja um fenômeno profundamente social.
SOCIEDADE DE IDOSOS
A menopausa começou quando passaram a existir ‘sociedades de idosos’, então talvez até 12 mil anos seja cedo demais. Criar e manter uma classe de avós pós-menopausa talvez não tenha sido possível antes do surgimento das cidades agrícolas com uma densidade populacional. E as avós teriam sido particularmente úteis para a ascensão da sociedade agrícola.”
A tese de Cay Bohannon é que as mulheres pós-menopausa teriam a responsabilidade de ensinar os grupos humanos em momentos de crise: “Quando a comida escasseia, são elas que seguem na frente até lugares com uma possibilidade maior de encontrarem alimentos e demonstrar como capturar esse alimento. O que as avós fazem, em outras palavras, é lembrar.”
E conclui: “Talvez nós não tenhamos evoluído para ter menopausa. Talvez ela não tenha sido selecionada. Talvez ela tenha sido um efeito colateral natural da extensão no nosso tempo de vida. Em princípio, os corpos fazem praticamente tudo para evitar a morte. Sendo assim, não é difícil imaginar que a evolução tenha selecionado traços que nos ajudem a evitar a cova. Nas espécies sociais, porém, também pode ser útil ter idosos por perto. Talvez isso pressione mais os genes que selecionam a extensão de tempo de vida e, nas mulheres, conduzem à menopausa.”
GINECOLOGIA PRÉ-HISTÓRICA
Para Cat Bohannon, a invenção humana mais importante, “o próprio motivo pelo qual conseguimos ter sucesso como espécie”, foi a ginecologia. Não a ginecologia médica que conhecemos hoje, mas uma ‘ginecologia pré-histórica’: “Pense na confiança necessária para deixar alguém ajudar no seu parto. As mulheres do passado longínquo teriam precisado de uma estrutura social que recompensasse os comportamentos altruístas.
Mães podiam ajudar filhas, com certeza, mas para o parto assistido se generalizar como uma colaboração entre membros de um grupo social mais amplo também seria importante uma colaboração que suplantasse a competição.”
E a autora vai além: “Considero o machismo e a ginecologia dois lados de uma mesma moeda: duas estratégias comportamentais que nossa espécie utilizou – e até hoje utiliza – para tentar manipular um sistema defeituoso. Se as gestações são perigosas e os bebês precisam de cuidados, é preciso dar um jeito de contornar isso. Como espaçar as gestações para controlar a frequência com que as meninas do seu bando engravidem. A ginecologia lhe dá ferramentas para controlar a natalidade e para abortar. Mas você também pode criar regras culturais em relação a quando e onde os machos têm acesso aos corpos femininos e em seguida criar punições para quem transgredi-las. E o cerne do machismo é isso: um conjunto de regras que funcionam para controlar a reprodução.”
SERVIÇO
“Eva – Como o Corpo Feminino Conduziu 200 Milhões de Anos de Evolução Humana”
Autora – Cat Bohannon
Editora – Companhia das Letrinhas
Tradução – Fernanda Abreu
Páginas – 616
Quanto – R$ 119,90 (papel) e R$ 49,90 (e-book)