Em 2018, o carioca Geovani Martins publicou uma obra que casou certo burburinho nos meios literários do país. “O Sol na Cabeça” era seu primeiro livro e reunia contos que surpreenderam críticos e leitores.

Com 27 anos de idade, Geovani Martins passou a ser apontado como uma das grandes vozes da nova geração de escritores brasileiros. A obra foi publicada em 10 países e começou a ser adaptada para uma série cinematográfica.

Agora, cinco anos depois, a editora Companhia das Letras está lançando seu segundo livro, o romance “Via Ápia”. A obra narra a história de cinco jovens habitantes da comunidade da Rocinha, uma das maiores favelas no Rio de Janeiro, entre os anos de

2011 e 2013.

Cotidiano, aspirações e inquietações de cada personagem são reveladas de maneira realista e com a linguagem do ambiente. A narrativa passeia pela mesma atmosfera de romances emblemáticos como “Cidade de Deus” (1997), de Paulo Lins, e

“Capão Pecado” (2001), de Ferréz.

O grande acerto de Geovani Martins está em focalizar exatamente o período em que as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) começaram a operar nos morros do Rio de Janeiro. Assim, desenha um retrato da vida dos jovens e dos moradores antes de

depois das UPPs. E o resultado se revela trágico.

A ação da polícia nas favelas não teria levado paz aos moradores. Pelo contrário, teria levado guerra, violência e morte. E os

jovens foram aqueles que mais perceberam as conseqüências da “pacificação na bala”.

Os diálogos de “Via Ápia” reconstituem a oralidade da juventude carioca do morro: “Tu aí falando das tuas paradas... Que quer fazer, que aprendeu e os c... Eu fiquei pensando: tranquilo, quero sair lá do trabalho, mas para fazer o quê? Eu não sei,

irmão, papo reto. É isso que me dá uma agonia f..., um bagulho estranho mermo. Eu não sei o que fazer quando sair de lá, maluco. Tá ligado? É f... Minha irmã esses dias aí fez prova no Enem, vestibular na Uerj... Tá esperando o resultado agora. Tu

daqui a pouco tá levantando um dinheiro com esses bagulho de tatuagem... Eu fico feliz por vocês, menó, papo reto. Pensa que eu tô de olho grande no progresso de ninguém não, mano, tem nada ver esse bagulho. Tá maluco. À vezes só bate uma neurose mermo é só de ficar para trás, tá ligado? Passar aí dez, vinte anos, e eu aqui, sei lá, fazendo p... nenhuma da minha vida.”

Vivendo entre o trabalho e a diversão, os personagens sempre estão diante da falta de perspectiva real de uma vida melhor. Eles enxergam isso em seus pais e mães que durante toda a existência ralaram de sol a sol e não conseguiram nenhum tipo de

ascensão econômica e social: “A correria de todo dia pra conseguir o básico, um dia depois do outro, de alguma forma essa lógica reduz qualquer possibilidade de futuro.”

Em “Via Ápia”, os próprios jovens compreendem que a guerra às drogas pelas forças policiais se tornou muito mais nociva do que o próprio consumo de drogas. O combate ao uso se tornou mais destruidor do que o simples uso. E quando as responsabilidades adultas começam a bater na porta, a diversão começa a gerar reflexão:

“Comemorar o quê? Se o tempo passava e não mudava p... nenhuma, se todo ano era o mesmo perrengue f...? Crescer vinha sempre junto com vários problemas. Aquele monte de sonhos de moleque ficam cada vez mais impossíveis, enquanto a realidade

parece cada vez mais estreita, até fazer a vida se parecer com uma obrigação.”

Apesar de todos perrengues expressos em “Via Ápia”, no fundo a obra retrata um caminho otimista. Por seus personagens serem jovens, o romance ilumina todas as aspirações do mundo. São eles, os jovens, os mestres em abraçar todo o tipo de esperança em um mundo cada vez mais hostil.

Se “O Sol na Cabeça” era uma obra surpreendente, mas irregular, com algumas boas histórias e outras sonolentas, em seu segundo livro Geovani Martins comprova que evoluiu ao potencializar as melhores qualidades de sua literatura. “Via Ápia” retrata a juventude que o Brasil não quer enxergar.

Imagem ilustrativa da imagem Livro traz um olhar sobre a juventude que o Brasil não quer enxergar
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Via Ápia”

Autor – Geovani Martins

Editora – Companhia das Letras

Páginas – 342

Quanto – R$ 64,90 (papel) e R$ 39,90 (e-book)