Durante a Segunda Guerra Mundial, o poeta japonês Nanao Sakaki (1923 – 2008) atuava como militar no sistema de radar aéreo do Japão. Era responsável por oferecer as coordenadas aos aviões kamikazes. Em 1945, foi ele que detectou pelos radares os aviões norte-americanos que jogaram as bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Essa experiência marcaria profundamente sua existência. Com o fim da guerra, Nanao Sakaki transformou-se em andarilho. Passou a percorrer todo o país a pé em contato direto com a natureza. No processo de “desmilitarização a si mesmo”, transformou-se no primeiro poeta beatnik da literatura japonesa. Rompendo com os padrões da sociedade, foi o introdutor da contracultura e da ecopoesia no Japão da década de 1960. Militante ambiental, construiu sua literatura pautada pelos elementos da natureza.

A editora Grafatório está lançando “Galáxia Floresce na Primavera”, livro que reúne poemas selecionados de Sakaki. Trata-se do primeiro livro com a obra do poeta publicado no Brasil. Organizado e traduzido pelo jornalista londrinense Felipe Melhado, o volume vem acompanhado de ilustrações em relevo de Guilherme Gerais com projeto gráfico de Pablo Blanco.

Nanao Sakaki: ex-militar, estabeleceu outras relações e´ticas e estéticas com a natureza após a Segunda Guerra
Nanao Sakaki: ex-militar, estabeleceu outras relações e´ticas e estéticas com a natureza após a Segunda Guerra | Foto: Gary Lawless/ Divulgação

“Galáxia Floresce na Primavera” reúne 60 poemas escritos entre os anos 1960 e o início dos anos 2000. Nas palavras do organizador, são versos que revelam toda a singularidade da poética de Sakaki: “São textos que combinam influências da filosofia zen, referências à cultura popular japonesa, um agudo senso de observação da natureza, inversões de perspectiva, brincadeiras surpreendentes de escala, tempo e espaço, noções científicas oriundas da astronomia, da geologia e da botânica, além de um anti-sentimentalismo que encaminha para uma poesia rarefeita de ego”.

O lançamento de “Galáxia Floresce na Primavera” acontece sábado (dia 5), 19h, na Vila Cultural Grafatório com show do músico e compositor paulista Vitor Wutzki que musicou versos do poeta japonês em comemoração ao seu centenário de nascimento celebrado este ano. A seguir Felipe Melhado fala sobre a literatura de Sakaki.

O que a obra de Nanao Sakaki tem a dizer aos leitores de hoje?

Seus poemas, mais do que exercícios de linguagem, são carregados de ‘ethos’, de proposições para nós, terráqueos, habitantes deste planeta. Um dos poemas de Nanao é intitulado justamente “Como Viver no Planeta Terra”. Enquanto a mentalidade contemporânea continua apostando suas fichas no progresso e na aceleração, privilegiando certa relação com o tempo, a poesia de Nanao Sakaki muda o centro de gravidade, voltando nossa atenção para o espaço, para o lugar onde habitamos. Em um momento em que o planeta dá sérios sinais de esgotamento, esse tipo de deslocamento pode ser urgente. Nanao já tinha sacado isso nos anos 1960, e o ‘ethos’ que ele sugere em seus poemas se tornou ainda mais relevante para a vida no presente.

E qual a importância da poesia de Sakaki para a literatura e cultura contemporânea?

De modo geral, acho que é sempre preciso olhar com alguma desconfiança para o legado da geração dos anos 1960 e 1970. Muito do que foi vivido como uma conquista na época passou por um processo de captura e neoliberalização que coloca problemas ao presente – a meditação virou ‘mindfulness’, as experiências psicodélicas viraram microdoses de cogumelo que dão um ‘boost’ na produtividade, os produtos da contracultura viraram itens de consumo nichado. Acho que a experiência proposta por Nanao era um pouco distante disso. Já na época, vivendo no Japão, ele se afastava do estilo de vida dos Futen (os hippies japoneses), percebendo no que aquilo poderia dar. Sua poesia tem a ver com esse afastamento: de certa forma, ele se move em direção contrária à humanidade, estabelecendo outras relações éticas e estéticas com elementos não-humanos, com outros animais, minerais e vegetais. Seres que, no ímpeto da modernidade, foram rebaixados à categoria de “recurso natural”.

Imagem ilustrativa da imagem Livro reúne versos do primeiro poeta beat do Japão

SERVIÇO:

“Galáxia Floresce na Primavera - Poemas Escolhidos”

Autor – Nanao Sakaki

Organização, tradução e posfácio – Felipe Melhado

Prefácio – Gary Snyder

Editora – Grafatório

Ilustrações – Guilherme Gerais

Páginas – 128

Quanto – R$ 75

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Lançamento:

Quando – Sábado (5), às 19h

Onde – Vila Cultural Grafatório (Rua Mossoró, 483)

Show – Vitor Wutzki

Quanto – Gratuito