“Olha / velocidade é uma fissura da juventude / solidão é um método maluco / de saber quem está dentro de você / quando a cidade inteira te odeia / mas entre almas de jeans / você segue // olha / nada na neblina / além de borboletas transando / estátuas se mexendo / pessoas que se esqueceram de sorrir / e você vai se matando / de tanto dizer sim”.

Estes versos de Maurício Arruda Mendonça podem ser considerados um clássico da literatura londrinense. Escritos 30 anos atrás representam a atmosfera lírica da cidade capturada pela percepção de encantamento.

Poeta, dramaturgo e tradutor, Maurício Arruda Mendonça está lançando pela editora Kotter “Luzes de Outono – Poesia Reunida (1983 – 2020)”, volume que reúne toda sua produção poética.

Além dos livros esgotados “Eu Caminhava Assim Tão Distraído” (1997), “Epigrafias” (2002) e “A Sombra de um Sorriso" (2003), o volume traz poemas inéditos escritos entre 2010 e 2020. Também traz poemas inéditos escritos na juventude entre 1983 e 1988.

“Luzes de Outono” pode ser descrito como um panorama completo da “vida poética” do dramaturgo e tradutor londrinense nascido em 1964. Tudo reunido num único livro. Algo como as tardes que latejam na memória das casas enquanto o entardecer não cabe dentro do peito.

A seguir, Maurício Mendonça, que prepara para 2022 um volume com traduções da poesia clássica chinesa, fala sobre seu novo livro.

Maurício Arruda Mendonça: “Uma pessoa que lê um poema não pode concluir sua leitura sem uma impressão de uma revelação. E isso mostra o nível de exigência perceptiva e de potência artística que precisamos investir para escrever e viver a poesia”   
Maurício Arruda Mendonça: “Uma pessoa que lê um poema não pode concluir sua leitura sem uma impressão de uma revelação. E isso mostra o nível de exigência perceptiva e de potência artística que precisamos investir para escrever e viver a poesia”    | Foto: Jacqueline Sasano/ Divulgação

“Luzes de Outono” pode ser considerado um panorama de sua vida poética?

Sim, pois reuni desde meus primeiros poemas escritos na década de 1980 até o ano de 2020. Então é também um percurso do que se aprendeu e se praticou na difícil arte da poesia. Também um balanço e um marco para o que irei escrever daqui para frente.

E como você descreve esse percurso?

Comecei como leitor de poesia e prosa. Escrevia desde os 10 anos, mas a partir de 18 anos a leitura e escrita tornaram-se algo relevante para mim, depois da música, que sempre foi a minha primeira arte. Mas segui com a poesia. Passei por leituras variadas, com ênfase em clássicos, a tradução veio nessa época inicial também. Meu percurso artístico é o da minha própria existência, de minhas questões e do que sinto que seja a experiência do vivido. No plano estético comecei com poemas de verso um pouco mais extenso, inspirados em certos poemas que eu gostava. Com o passar do tempo minhas reflexões também foram ganhando espaço a ponto de me expressar em aforismos. Creio que fui ficando mais conciso e tratando cada vez mais de minhas impressões sobre a vida, com ênfase lírica e algum humor.

Além de trazer seus livros esgotados, o volume traz poemas inéditos, parte deles da época de sua formação quando jovem. O que levou você a resgatar esses poemas?

Foi porque numa reunião de toda a produção era necessário colocar de onde parti, como me formei nesse começo. Achei que eram poemas que tinham uma qualidade artística e inventiva interessante e que, por vezes, me vêm à cabeça. E também é um registro de como eu fui e que me constituem hoje.

É possível vislumbrar elementos da cidade nos versos de “Luzes de Outono”. O que há de Londrina em sua poesia?

Isso é uma coisa que é inerente ao lugar onde estou, da natureza e do clima onde estou e conheço. Mas não é nada deliberado e sim espontâneo, há poemas sobre outros lugares no livro. Na realidade eu sou muito sensível ao clima dos lugares, elementos da natureza, e isso acho que fica registrado.

O clima seria algo como a alma do lugar?

Não. Acho que é mais um complexo de estímulos, uma atmosfera às vezes imprecisa, que tem algum potencial para detonar sensações, memórias e visões até mesmo metafísicas em nós. Também é uma questão relacionada com a perda, do caráter fluído de tudo o que existe, e que de certa forma me ‘pede’ para decifrar, o que me faz escrever sobre isso, até de maneira repetitiva.

Uma das características de sua poesia está na sobreposição de imagens, percepções e sensações. O que você busca com esta sobreposição?

Para ser franco e não reflito sobre isso, sobre a forma como o poema será. Meu processo de escrita é intuitivo e sem pretensão. Acho que isso que você nota fica claro no que eu disse antes, sou quase misticamente sensível aos espaços, aos climas, às construções. E isso se reflete no poema. Talvez sejam mais a sensações que determinem a forma, do que algo previamente pensado. Evidente que há poemas mais reflexivos, mas essa é também uma característica pessoal que transparece, de desenvolver uma ideia poeticamente.

No começo da entrevista você nomeou a poesia como “difícil arte”. Por que você considera a poesia uma arte difícil?

Porque ela tem uma exigência maior de concentração e de doação. Ele solicita uma apreensão da realidade em termos visuais, verbais e sonoros. Além disso, precisa expressar ideias. E ideias que tenham força para causar impacto emocional no leitor. Uma pessoa que lê um poema não pode concluir sua leitura sem uma impressão de uma revelação. Por isso é que são raros os grandes poemas. E isso mostra o nível de exigência perceptiva e de potência artística que precisamos investir para escrever e viver a poesia.

Serviço:

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“Luzes de Outono – Poesia Reunida (1983 – 2020)”

Autor – Maurício Arruda Mendonça

Editora – Kotter

Páginas – 200

Quanto – R$ 44,70 (papel) e R$ 22,35 (e-book)

FRAGMENTO

Lenta longa travessia

Lenta longa travessia

ventania de pólen ardendo os olhos.

Mas isso é uma justificativa poética vulgar,

tentar disfarçar que as coisas não vão bem,

nada bem,

e é preocupante negar os fatos,

manter a mente lúcida,

pra não sair gritando.

Impermeáveis ao pavor,

sem solução nem soluço,

quem sabe,

nem éramos mais aquilo

quando dobramos a esquina.

Outras vidas vibram de repente,

assim, um salto do acaso.

Enquanto isso,

atravessamos insones.

Lenta longa travessia

pelo vendaval de poeira.

(Poema inédito de 2020 que integra o livro “Luzes de Outono” de Maurício Arruda Mendonça)