Quando o novo filme do cineasta Martin Scorsese, “Assassinos da Lua das Flores”, estreou nos cinemas em outubro de 2023, tudo indicava um caminho de sucesso. Com Leonardo DiCaprio, Robert de Nilo e Lily Gladstone como atores principais, em janeiro o filme recebeu 10 indicações ao prêmio Oscar 2024: melhor filme, direção, atriz, ator coadjuvante, fotografia, montagem, trilha sonora, figurino, canção original e designer de produção.

“Assassinos da Lua das Flores” foi baseado no livro homônimo escrito pelo jornalista norte-americano David Grann e publicado em 2017. A obra se tornou um best-seller de sucesso revelando um cruel episódio real da história dos Estados Unidos que foi jogado para debaixo do tapete.

Publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras em 2018, o livro passou despercebido. Agora, aproveitando a repercussão do filme, a editora está relançando a obra com uma nova sobrecapa com imagens do filme de Scorsese.

Após uma pesquisa que levou mais de cinco anos, David Grann reconstituiu um dos crimes mais sórdidos da história dos Estados Unidos. Tudo começa no final do século 19, quando a população indígena dos osages começa a ser dizimada pelos colonizadores e imigrantes europeus que passam a ocupar o país. Os sobreviventes, expulsos de suas terras, começam a vagar sem destino até o governo criar uma reserva para a etnia osage em Oklahoma. A terra escolhida é só pedra e areia, um território infértil no qual os colonizadores brancos não possuíam nenhum interesse econômico.

CRIMES E PETRÓLEO

No começo da década de 1920, alguém descobre petróleo na reserva dos osages e o mundo vira de ponta cabeça. Com os direitos de perfuração e os royalties do petróleo, os membros da tribo se tornam as pessoas com maior renda per capita do mundo em 1922. De um dia para outro, no meio do velho oeste, os indígenas se transformam em milionários com direito a mansões e carros de luxo.

Não gostando dos fatos, os colonizadores pressionam o governo para criar uma lei que determina a incapacidade dos indígenas administrarem seus bens. Então uma lei é instituída. Uma lei que determina a exigência de um tutor branco para gerenciar a riqueza de cada indivíduo da tribo. Um tutor que possui todas as concessões para dilapidar a riqueza de cada indígena gerada pelo petróleo.

Mas as coisas ficam piores quando, misteriosamente, os nativos começam a ser assassinados. Alguns aparecem com um tiro na cabeça. Outros aparecem envenenados. Alguns simplesmente desaparecem. Casas pegam fogo com dinamite dentro. Um a um os osages, detentores dos direitos da terra, vão sendo assassinados e dizimados.

Quando os crimes se tornam populares e a polícia local não consegue dar andamento nas investigações, o recém criado FBI (Federal Bureau of Investigation) entra no caso. Em uma investigação que se estende por anos e anos, o livro de David Grann mostra, através de documentos, como fazendeiros e empresários da região orquestraram e encomendaram as mortes dos indígenas eliminando todo tipo de vestígios dos crimes. E a constatação é simples: “Praticamente todos os elementos da sociedade foram cúmplices do sistema criminoso.”

Os únicos crimes que chegaram a julgamento se referem às vítimas da família da osage Mollie Burkhart. A história é diabólica. Um poderoso fazendeiro da região cria um plano para conseguir a posse das terras da família de Mollie. Ele faz com que seu sobrinho se case com Mollie. No processo, arquiteta o assassinato de todos os outros membros da família até restar apenas Mollie como última herdeira de tudo. Então o sobrinho deve envenenar e assassinar a esposa para ficar com único herdeiro.

Parece roteiro de novela sobre cobiça, mas o que está por trás de tudo pode receber o nome de genocídio. No final do livro, David Grann alerta: “Nos casos de crimes contra a humanidade em que os criminosos escapam à justiça de seu tempo, é frequente que a história acabe fazendo algum tipo de acerto de contas, documentando os crimes e desmascarando os transgressores. Contudo, muitos dos assassinatos dos osages foram tão bem dissimulados que esse desfecho não é mais possível.”

Impossível ler “Assassinos da Lua das Flores” de David Grann e não fazer alguma conexão entre aquilo que os osages viveram 100 anos atrás nos Estados Unidos e aquilo que os yanomamis vivem nos dias de hoje na Amazônia brasileira. Nada mudou. Todos os elementos da sociedade continuam sendo cúmplices de um sistema criminoso.

Imagem ilustrativa da imagem Livro que inspirou filme que concorre ao Oscar reconstitui um genocídio
| Foto: Divulgação

SERVIÇO

“Assassinos da Lua das Flores – Petróleo, Morte e a Criação do FBI”

Autor – David Grann

Editora – Companhia das Letras

Tradução – Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra

Páginas – 390

Quanto – R$ 77,90 (papel) e R$ 39,90 (e-book)