Nesta sexta-feira (5), será lançado na Biblioteca Pública de Londrina o livro "O bispo negro, 'os homens bons' e a santa eugenia curitibana", com a presença de Kandiero, autor da obra que faz uma análise sobre o racismo no movimento paranista.

Kandiero é escritor, compositor, professor, ativista e, fundador do Centro Cultural Humaita – Centro de Estudo e Pesquisa da Arte e Cultura Afrobrasileira.

O livro critica as ideias do movimento paranista e suas influências ao longo dos séculos 19 e 20, associadas à eugenia e ao "racismo científico" sob a influência de ideologias trazidas por imigrantes europeus.

A eugenia foi criada na Inglaterra por Francis Galton (1822-1911), no fim do século 19, e difundiu-se por vários países fazendo a defesa de um conjunto de práticas que tinham como objetivo a "melhoria genética" a partir da exclusão de grupos indesejáveis, como os negros, propondo até mesmo impedir sua reprodução.

O fato histórico, de triste memória, é um dos aspectos do livro de Kandiero à luz do movimento paranista, enfocando a contradição entre a hisória oficial e os registros deixados embaixo do tapete e que explicam as origens do racismo na formação da sociedade curitibana.

Kandiero alerta para a importância de se conhecer e evidenciar esses fatos para a reconstrução da história do estado, valorizando a cultura africana, afrodescendente e indígena na formação do Paraná.

Para isso, o autor mergulha nas raízes históricas, sociais e culturais do Brasil associando-as a reflexões sobre religião, política, justiça e cultura, do samba ao candomblé, das insurreições ao embranquecimento social.

BISPO NEGRO

No livro, a figura central do Bispo aparece num diálogo durante uma longa vigília numa igreja que reúne mitos e símbolos de Curitiba, confrontando os antecedentes da escravidão, seus reflexos e consequências. Isso emerge em questões como a formação da identidade local e a necessidade de revisitar esta história para a formação de novos paradigmas da história curitibana e paranaense.

Em Londrina, Kandiero estará na Biblioteca Pública Municipal nesta sexta-feira (5) para uma sessão de autógrafos e bate-papo com o público das 19 às 21h, o evento é gratuito.

O livro é uma publicação da editora Humaita.

SERVIÇO

Livro/ Lançamento: "O bispo negro, os 'homens bons' e a santa eugenia curitibana", editora Humaita/2024

Autor: Kandiero

Quando: sexta-feira (5), das 19 às 21h

Onde: Biblioteca Pública Municipal de Londrina (Avenida Rio de Janeiro, 413, centro)

O evento é gratuito

Livro à venda no local e no site da Editora Humaitá

Preço: R$ 53,00

Imagem ilustrativa da imagem Livro "O Bispo Negro" será lançado na Biblioteca Pública de Londrina
| Foto: Divulgação

A EUGENIA DE CURITIBA, DE KANDIEERO

(Leia a seguir a resenha de Andressa Medeiros, professora doutora em Literatura)

"Peço licença aos que vieram antes de mim, peço a bênção dos meus mais velhos e mais velhas, bênção aos mais novos, peço perdão aos meus primos indígenas e aos povos negro da diáspora para falar sobre o Manifesto de Kandiero: Bispo Negro, os “homens bons” e a santa eugenia curitibana, da editora Humaita.

Comecei a ler o texto e ouvia o som do atabaque acompanhado do que me lembrou uma ladainha de capoeira. A leitura flui rápida como um rasteira de capoeira de Angola, que me indicou os primeiros movimentos para aprender a nadar na História Profunda do Paraná e do Brasil. Uma história que se esconde entre as calçadas de petit-pavé, mas que é profunda como as raízes das 5 árvores plantadas em volta da calçada histórica da praça Tiradentes.

E é precisamente ali no marco zero da cidade que se inicia essa aula de história, esse manifesto público, essa roda de capoeira, essa conversa com o sábio homem negro, esse diálogo protagonizado pelo Bispo Negro e de Kandiero com os seus leitores.

Tentamos sempre identificar estilos e gêneros que são reconhecidos pelos dicionários de termos literários e suas regras, todas muito eurocentristas. Por isso, estou buscando outros termos que possam ser dignos da mensagem deste livro, fazendo associações com o pouco que conheço dos modos de transmissão de saberes dos povos de matriz africana, seus modos de luta e resistência. Isso porque me parece fundamental criar novos modos de descrever as literaturas afro diaspóricas, talvez fosse adequado empregar o termo da Oralitura, conceito de Leda Martins, porque sentimos ecoar no corpo o ritmo das frases de "O bispo negro, os 'homens bons' e santa eugenia curitibana."

Eu disse inicialmente que as palavras são como uma rasteira de capoeira, mas poderia dizer também que soam como os conselhos e falas dos pretos velhos dos terreiros, que por mais difíceis que sejam os conselhos, eles chegam com muito amor e fraternidade. Também essa obra nos atinge, a nós brancos da elite ou não, como uma flecha certeira, que nos derruba desse pedestal histórico, que nos impulsiona a encarar o petit-pavé, enxergar o Pelourinho e lembrar dos Engenheiros Rebouças. O Bispo Negro que nos convida com muito amor e com muitos argumentos a reavaliar nossos conhecimentos sobre essa cidade.

No diálogo do Bispo com os presentes na Basílica, muitas vozes têm a oportunidade de contar as suas histórias e as histórias de pessoas pretas que construíram a cidade, personagens conhecidos pelo autor através de muitas pesquisas e conversas, com argumentos que baseados tanto em relatos orais quanto em documentos ainda preservados.

E assim como nos propõe o autor/narrador deste livro, procurei alguns dos nomes das personagens citadas na obra, no buscador da Internet. E a cada nome que aparecia, outro também surgia, com peles, cabeças brilhantes como o ébano. Nomes de pessoas pretas, que fizeram parte da história dessa cidade, e que eu desconhecia seus nomes, suas histórias e obras. Pessoas pretas que conseguiram escapar do sistema, do racismo e das estáticas. Mas é preciso lembrar que o mundo se mantém pela força das pessoas comuns, que todos os dias resistem, contribuindo com sua força de trabalho, sua criatividade, seus cantos, sua intelectualidade que nos propõe novos modos de pensar e viver.

O livro manifesta a urgência de ações efetivas para preservar o que resta de documentos, jornais, histórias das pessoas negras que construíram e continuam construindo essa cidade, especialmente diante de novas reformas que pretendem criar uma rua da memória na cidade. O livro conclama a todos a agir para preservar a memória da cidade em sua plenitude, reconhecendo as contribuições e as atrocidades imputadas aos povos africanos, afro-brasileiros e povos indígenas.

Se faz urgente que a sociedade tome para si essas histórias que as preserve, que as relembre, que erija marcos dessa história na cidade, que se escrevam e se leiam livros como este. Porque a história nos tem mostrado, é que a história se repete se tentamos apagar as atrocidades cometidas no passado. Ainda que as do presente essas atrocidades sejam envoltas em novas teorias e tecnologias.

O Bispo Negro nos convida a dialogar, nos incita a conhecer, a buscar essa história que repetidamente tentam apagar, a escravização do passado, os genocídios calculados e divulgados no presente com discursos de segurança pública, e o recente projeto de privatização dos presídios.

As palavras tem muita força, as histórias que ouvimos repetidamente ficam em nossa mente, muitas vezes como verdades absolutas, como por exemplo, não se pode misturar manga com leite. É preciso reaprender a ouvir a dialogar, não só com quem pensa como nós, mas também com quem discorda, buscar conhecer a história e possivelmente se desiludir com os chamados heróis, grandes sábios e intelectuais. Esse é o convite do Bispo Negro, conhecereis a verdade e a verdade vós libertará.

Axé Kandiero pela obra, que ela ilumine os becos escuros de nossas mentes."