Em seu novo romance publicado no Brasil, “As Últimas Crianças de Tóquio”, a escritora japonesa Yoko Tawada imagina um mundo distópico próximo das projeções de futuro. O planeta vive uma catástrofe ambiental devido ao aquecimento global e poluição de todos os tipos. Grande parte dos animais selvagens foi extinta. Flores e insetos quase desapareceram. Alimentos ficaram escassos.

Com os países enfrentando uma coleção de problemas, fica decidido que cada um deve resolver suas questões de maneira isolada. Assim todos se fecham, tanto para imigrações quanto para importações e exportações. As nações se fecham na tentativa de se adaptarem às mudanças climáticas. O Japão se isola mais ainda com uma coleção de proibições, inclusive linguísticas.

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Nesse cenário, Yoko Tawada narra a história de Yoshirô e seu bisneto Mumei. Os dois vivem sozinhos na periferia de Tóquio, já que o centro da cidade se tornou inabitável. Yoshirô tem 110 anos e pertence à nova geração de pessoas de extrema longevidade saudável graças aos avanços da ciência. Mumei tem cinco anos e pertence à nova geração de crianças que não consegue sobreviver às mudanças ambientais – nascem frágeis, com dificuldade para comer e andar, com a pele enrugada e incapaz de sobreviver a qualquer tipo de doença.

Lançado pela editora Todavia, o foco de “As Últimas Crianças de Tóquio” está em revelar a história da construção de um amor entre bisavô e bisneto. Um velho que possui saúde para continuar vivendo ao longo tempo e uma criança que não será capaz de sobreviver. Um novo mundo onde os velhos estão fadados a não morrerem e crianças fadadas a não viverem.

Yoko Tawada: escritora japonesa que vive na Alemanha já foi premiada nos dois países
Yoko Tawada: escritora japonesa que vive na Alemanha já foi premiada nos dois países | Foto: Nina Subin/ Divulgação

Nesse mundo, o personagem Yoshirô começa a experimentar um sentimento até então desconhecido: “Embora não fosse claro que a geração de Yoshirô estava condenada a viver eternamente, naquele momento era inegável que tinham sido impedidos de morrer. Quando seus corpos, como o de quaisquer seres vivos, se desgastassem completamente, atingindo o limite da validade dos pés à cabeça, ainda assim, dentro da carne imobilizada, provavelmente restaria apenas a consciência recusando-se ao apagamento e agonizando perpetuamente. Yoshirô não conseguia compreender por que sua geração deveria celebrar a própria longevidade. Era bom estar vivo, mas isso era normal para os idosos, então por que comemorar? Pelo contrário, talvez se devesse comemorar o fato das crianças não terem morrido, apesar da alta taxa de mortalidade infantil.”

SEM PERSPECTIVAS

Após provar da agonia da impossibilidade de morrer assistindo a falta de perspectiva de vida das crianças, o personagem de “As Últimas Crianças de Tóquio” atravessa todo tipo de questionamento: “Yoshirô julgava que a pretensão de legar aos descendentes bens e sabedoria não passava de mera arrogância. Tudo o que podia fazer agora era viver com seu bisneto. Para tanto, precisava de mente e corpo flexíveis. Precisava ter coragem para duvidar até das coisas em que acreditara por mais de um século. Desprezando seu orgulho como uma jaqueta velha, ele teria que andar por aí em mangas de camisa. Se sentisse frio, em vez de comprar uma jaqueta nova, seria melhor pensar em maneiras de fazer crescer sobre seu corpo uma espessa pelagem, como a de um urso. Yoshirô cerrava os punhos várias vezes, com ar resoluto, pensando que, na verdade, ele não era um velho, mas alguém que, tendo passado dos cem anos, havia se transformado em uma nova espécie de ser humano.”

Na convivência entre bisavô e bisneto, os pequenos detalhes começam a evidenciar que Mumei, como criança, possui percepções mais sensatas do mundo do que o idoso: “Muitos jovens se irritavam com as críticas dos mais jovens, mas Yoshidô não. Pelo contrário, ele sentia uma dor no peito ao lembrar que os velhos com frequência magoavam os mais jovens. O que as crianças deviam achar dos adultos que, cheios de arrogância, ficam dizendo ‘isto é bom, aquilo é ruim’, como se uma sensibilidade refinada os pusessem acima dos demais, ignorando o pântano de problemas em que estão mergulhados até o pescoço?” E mais: “Em uma luta justa e democrática, os pais seriam derrotados pelos filhos. Yoshirô pensava que a função do autoritarismo era proteger esses seres vivos estúpidos e vulneráveis chamados pais.”

Yoko Tawada nasceu em Tóquio 1960. Com 22 anos de idade se mudou para a Alemanha para estudar e até hoje vive em Berlin. Escreve seus livros em dois idiomas, japonês e alemão. Foi agraciada com diversos prêmios literários, tanto no Japão como na Alemanha. Seu outro romance publicado no Brasil pela editora Todavia, “Memórias de Um Urso-Polar”, narra a história de três gerações de ursos-polares vivendo em zoológicos e atentos aos hábitos humanos.

Imagem ilustrativa da imagem Livro mostra a velhice infinita antecipando o futuro
| Foto: Divulgação
Imagem ilustrativa da imagem Livro mostra a velhice infinita antecipando o futuro
| Foto: Nina Subin/ Divulgação

SERVIÇO:

“As Últimas Crianças de Tóquio”

Autora – Yoko Tawada

Editora – Todavia

Tradução – Satomi Takano Kitahara

Páginas – 142

Quanto – R$ 72,90 (papel) e R$ 49,90 (e-book)