Unir amor e questões políticas, em uma única história, foi o desafio do escritor londrinense Eduardo Baccarin-Costa ao criar seu novo romance, “Apenas Três Palavras”. A obra acaba de ser lançada pela editora Medrepérola e recebeu, em dezembro de 2020, o prêmio literário Outras Palavras, promovido pela Secretaria de Cultura do Paraná.

Narra a história de Celso, um jovem que, na década de 1970, é preso pelas violentas forças repressivas da ditadura militar brasileira, regime que vigorou no país entre 1964 e 1985.

Mesmo sem atuar politicamente ou integrar grupos revolucionários, o personagem acaba preso e torturado. Após uma fuga, se refugia num vilarejo do interior de Pernambuco onde começa a atuar na alfabetização de jovens e adultos.

Na sala de aula se apaixona por uma das alunas, Clarinda. Uma paixão que se estende ao longo de toda a vida, sempre à distância, através de cartas.

Em “As Três Palavras” as forças atrozes e desumanas da ditadura militar caminham lado a lado com as forças do amor e de uma generosa dimensão da educação.

Eduardo Baccarin-Costa é autor dos livros de poesia “Caminhada” (1984), “Uaauuu!!!!” (2012), “Sopro da Emoção” (2019), e dos romances “O Solitário do 406” (2018) e “Um Som Diferente” (2019). Em 2020 conquistou outro prêmio literário, o Concurso Literário Editora Leia Livros com o romance inédito “Liberdade Condicional”. A seguir, o escritor fala sobre “Apenas Três Palavras”.

Por que a escolha do contexto histórico da ditadura militar brasileira em seu novo romance?

A ditadura e seus reflexos sempre estiveram bem próximos de mim. Na minha pré-adolescência alguns de meus amigos e vizinhos tiveram o pai preso e torturado pela ditadura e vi bem de perto a angústia e o preconceito que viveram por ele ser julgado um “perigoso” comunista, anarquista e arruaceiro. O grande “crime” que ele cometeu for ser um jornalista que só não concordava com o discurso e prática dos militares no poder como enunciava isso em seus programas de rádio. Como a mulher dele me disse um dia, naqueles dias “pensar era permitido desde que você permanecesse de boca calada”. Essa frase me marcou.

Você viveu algum incidente na época?

Escrevi uma peça, um monólogo, que contava a vida de Castro Alves, e dava uma conotação bem política ao “poeta dos escravos”. Estávamos em 1982 e fui conduzido coercitivamente – fui tirado do meu serviço para prestar declarações na Polícia Federal – ao dar uma entrevista e dizer que não aceitava a censura imposta ao texto, especialmente por terem censurado quatro poemas de Castro Alves. É meio surreal, mas aconteceu. O governo de João Batista Figueiredo censurou quatro poemas escritos no século 19. Isso numa época que a propaganda oficial dizia que a censura tinha acabado.

.
. | Foto: Sérgio Ranalli

“Apenas Três Palavras” aborda dois temas aparentemente distantes: o amor e questões sociopolíticas. Qual foi a intenção em unir esses dois elementos numa única história?

Tudo começou com uma brincadeira. Num evento da pós-graduação da UEL. Durante um intervalo, alguns amigos do mestrado e doutorado começaram a brincar sobre temas aparentemente desconexos e que ficariam interessante numa trama romanesca. Entre eles, amor e questões políticas. Pensei na hora: “acho que vou topar esse desafio”. Aí comecei a pensar num enredo. Como sou um admirador da ex-senadora Marina Silva, principalmente da sua biografia, lembrei que sua história poderia dar um perfil interessante para uma personagem feminina, e criei a Clarinda Amaral. E coloquei mais um tempero à mistura e ficou um romance com questões políticas, educacionais e amor. A coisa começou a ficar interessante. E assim foi nascendo com uma ideia simples: juntar essas coisas para mostrar como o amor, em qualquer tempo, é capaz de vencer tanto ódio. Como mesmo diante de tanta opressão é possível desenvolver a fé, a paixão, a solidariedade e projetar dias melhores e possíveis para o país.

E como vencer o ódio na prática?

A eliminação do ódio, na prática, passa pela disseminação da fé, da educação, da arte e da cultura. Um povo compromissado com o amor divino e não com política partidária e políticos, tendo acesso a educação pública e privada de qualidade, sendo estimulado a consumir arte muito provavelmente não achará bonito ser opressor, disseminador de desinformação, propagador de linchamentos virtuais. Eu acho que cultura, tanto quanto saúde, emprego, segurança, é vital para o desenvolvimento humano e social.

O romance oferece uma dimensão generosa à capacidade da palavra, sobre a importância da leitura no florescimento do ser humano. Você considera que a leitura e a escrita são elementos importantes para o sentido de comunidade?

Já fiz alguns poemas em que afirmo que a palavra é a minha lavra. Não acredito em nada mais libertador do que o desenvolvimento de uma intimidade com a palavra e a escrita. Quem lê, pensa. Quem pensa não cai em fake news e tem como padrão de conduta checar todo e qualquer tipo de informação. Quem lê, reflete. Quem reflete consegue identificar um pensamento fascista de longe. Quem lê, questiona. Quem questiona não aceita facilmente discursos calhordas e tentativas de adestramento da massa com desinformação. Por tudo isso, tenho convicção que quem lê consegue se livrar da manipulação que algumas instituições e pessoas. Uma comunidade que lê não se permite ser levada por discursos rasos, sem o mínimo de conteúdo e verdade.

Nesse contexto a educação seria determinante?

Vital. Os exemplos no mundo mostram isso. Lugares onde a educação foi priorizada com investimentos maciços tanto em estrutura como pessoal, em que o pensamento crítico não foi podado, ao contrário, estimulado, atingiu um nível de vida e bem estar social invejável.

.
. | Foto: Divulgação

Serviço:

“Apenas Três Palavras”

Autor – Eduardo Baccarin-Costa

Editora – Madrepérola

Páginas – R$ 156

Quanto – R$ 39,90