A história que abre o novo livro do escritor sul-africano J. M. Coetzee, “Contos Morais”, pode ser considerada um fábula exemplar do mundo atual. Nela uma mulher segue todos os dias para o trabalho fazendo o mesmo trajeto a pé. E sempre ao passar em frente de uma mesma residência, leva um susto com o cachorro que sempre ladra feroz e ameaçador. Um susto que a incomoda profundamente, um susto que altera o resto de seu dia.

Para resolver o problema, a mulher decide conversar com o casal que reside na casa em busca de uma solução. Bate na porta da residência e logo se explica: “Toda vez que passo em frente de sua casa seu cachorro entra em estado de fúria. Sem dúvida ele acha que é dever dele me odiar, mas fico chocada com o ódio dele por mim, chocada e apavorada. Toda vez que passo em frente de sua casa é uma experiência humilhante. É humilhante ficar tão apavorada. Não ser capaz de resistir. Não conseguir deter esse medo. É uma via pública, tenho o direito de não ser amedrontada, de não ser humilhada em via pública. Vocês têm condições de corrigir isso.”

A mulher propõe ao casal que seja apresentada ao cachorro, para que toda vez que passar em frente da casa seja reconhecida pelo cão como amiga, não como inimiga motivo de ódio.

A resposta do casal é imediata: “É a nossa rua, não convidamos você a passar por aqui. Pode pegar outra rua. Quem é você? Que direito tem de vir aqui nos dizer como nos devemos nos comportar? Fora, fora daqui.”

Coetzee cria uma fábula sobre a incapacidade de solução dos problemas de maneira conjunta, coletiva, através da empatia. E quando os problemas não são solucionados pela empatia, novos problemas são gerados em função da antipatia. Uma fábula sobre a época em que as possibilidades de soluções foram extintas.

Lançado pela editora Companhia das Letras, “Contos Morais” reúne sete contos escritos por Coetzee entre 2008 e 2018. História sobre a moralidade através dos instrumentos da ironia. A maioria dos textos é protagonizada por Elizabeth Costello, personagem ficcional presente outros livros de Coetzee como “A Vida dos Animais” (2002) e “Elizabeth Costello” (2004).

Espécie de alter ego de Coetzee, Elizabeth é uma escritora militante contra a crueldade aos animais praticada pelo homem em nome de seu próprio bem-estar. Nas histórias de “Contos Morais”, Elizabeth vive uma velhice olhando para a morte de frente: “Se tem uma coisa em que os velhos são melhores que os jovens é morrer. É condizente aos velhos morrer bem, para mostrar aos que vêm depois como pode ser uma boa morte.”

Sua militância pelos direitos dos animais assume a forma prática com uma vivência direta. Preocupados com sua saúde e sua aparente senilidade, seus filhos tentam resgatá-la de um estado onde a História das Ideias começa a influenciar sua visão de mundo.

Trocando a militância por uma vivência solitária com animais, Elizabeth entra em outro processo de entendimento: “Estou me acostumando a viver na companhia de seres cujo modo de existir é diferente do meu, mais diferente do que meu intelecto humano será capaz de perceber.”

Ganhador do Nobel de Literatura de 2003, John Maxwell Coetzee nasceu em 1940 na Cidade do Cabo, África do Sul. Professor de literatura aposentado, é autor de mais de duas dezenas de romances, entre eles “Desonra” (2000), “Vida e Época de Michael K.” (2003), “O Mestre de Petersburgo” (1998), “Diário de um Ano Ruim” (2008), “Homem Lento” (2007) e “A Infância de Jesus” (2013).

Serviço:

“Contos Morais”

Autor – J. M. Coetzee

Editora – Companhia das Letras

Tradução – José Rubens Siqueira

Páginas – 152

Quanto – R$ 54,90 (papel) e R$ 34,90 (e-book)