Itamar Vieira Junior, em 2018, era um desconhecido escritor baiano autor de dois volumes de contos publicados de maneira artesanal em pequenas tiragens. Geógrafo com doutorado em estudos étnicos pela Universidade Federal da Bahia, atuava como funcionário do Incra.

LEIA MAIS:

Jogos Indígenas levam caingangues e guaranis ao Aterro do Igapó

As coisas ganharam novos rumos quando inscreveu seu primeiro romance, “Torto Arado”, no Prêmio Leya de 2018 de obras inéditas em língua portuguesa. O livro ganhou o prêmio e foi publicado em Portugal. Lançado no Brasil em 2019 pela editora Todavia, “Torto Arado” foi agraciado com os dois principais prêmios literários do país em 2020: o prêmio Jabuti e o prêmio Oceanos.

Quando criou “Torto Arado”, o Itamar Vieira não imaginava que seu livro se tornaria a maior revelação da literatura brasileira das últimas décadas. E seu maior mérito não foi ganhar prêmios, mas conquistar uma legião de leitores, algo pouco usual no universo da literatura brasileira contemporânea. Até o último mês de abril, o livro havia chegado à marca de 700 mil exemplares vendidos e traduzido para mais de 20 países.

Seu novo romance, “Salvar o Fogo”, acaba de ser lançado pela editora Todavia e somente na pré-venda o livro já vendeu quase 40 mil exemplares antecipados. Narra a história de Luzia, uma mulher que vive em um pequeno vilarejo às margens do rio Paraguaçu, no interior da Bahia.

O local abriga descendentes de indígenas e negros que vivem no local há várias gerações sem registro legal de posse de suas pequenas propriedades onde desenvolvem a agricultura de subsistência. O lugar também abriga um centenário mosteiro habitado por padres que dominam o vilarejo através da cobrança de impostos informais. Um mosteiro construído com o trabalho escravo dos antepassados dos moradores do lugar.

Num primeiro momento pode parecer que Itamar Vieira pretende apenas expor, através da ficção, a brutalidade do colonizador em seu ímpeto de desapropriação da cultura nativa para substituir pela cultura do invasor. Mas, aos poucos, a narrativa revela sua intenção maior: expor as camadas mais silenciosas, mais invisíveis, da violência e da brutalidade impelida aos povos do Brasil. Principalmente às mulheres.

As personagens, vivendo no limite da miséria, possuem a capacidade de entender que a brutalidade poder se vestir com as vestimentas do amor: “A violência era traiçoeira e poderia vir travestida de afeto. Poderia habitar os olhos do benfeitor sem que o percebêssemos. Quase sempre era justificada por boas intenções, por compaixão e redenção. Às vezes poderia ser uma promessa de sorte, adoração, deslumbramento, ocultando as sementes da loucura e da danação.”

“Salvar o Fogo” mantém todas as características que fizeram de “Torto Arado” um sucesso literário. Tanto no universo retratado, aquilo que passou a ser chamado de ‘Brasil profundo’, quanto na linguagem desenvolvida. Personagens que, apesar das dificuldades em que são impelidas a viver, possuem uma incomensurável capacidade de compreensão do mundo. E os fantasmas que carregam, são os fantasmas do país.

“Salvar o Fogo” é uma história de sofrimento. E também uma história de redenção. E igualmente uma história sobre como a exploração humana continua operando firme e forte após séculos e séculos: “Quando tudo parecia em paz – paz enviesada e precária dos sobreviventes –, acontecia algo. Era a violência dos matadores vingando seus mortos ou eliminando os obstáculos que impediram a prosperidade de outrem. Era a barragem a inundar o solo para o sepultar sob água e fúria. Era a transação cordial dos homens de posse que vendem e compram sem pensar por que o fazem. A terra era riqueza que não se carrega para onde se vai. Se não a podemos levar conosco, assim como as casas, que pelo menos retiremos os dejetos que se encontram nela, nos livrando das tralhas vivas que lá se encontram para nos recordar da feiúra do mundo.”

Apesar de todo martírio gravado na alma da personagem Luzia, a redenção se apresenta como coragem para a luta: “Os anos me ensinaram que não há nada que não se possa conhecer quando criamos atenção para o mundo, quando deixamos o tempo contar as histórias do seu jeito. Só assim nós somos capazes de perceber o que existe no coração dos outros.”

Imagem ilustrativa da imagem Livro de Itamar Vieira Junior mostra a silenciosa brutalidade do país
| Foto: Divulgação

Serviço:

“Salvar o Fogo”

Autor – Itamar Vieira Junior

Editora – Todavia

Páginas – 320

Quanto – R$ 76,90 (papel) e R$ 44,90 (e-book)

...

Receba nossas notícias direto no seu celular, envie, também, suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link