O ano de 2019 marca os 30 anos da morte de Paulo Leminski, considerado por muitos como "o último poeta de apelo popular no Brasil".
As homenagens começam com o lançamento pela Biblioteca Pública do Paraná de "Roteiro Literário - Paulo Leminski", livro do poeta londrinense Rodrigo Garcia Lopes.

Rodrigo Garcia Lopes: " Leminski estava em estado de poesia 24 horas por dia, escrevia o tempo todo"
Rodrigo Garcia Lopes: " Leminski estava em estado de poesia 24 horas por dia, escrevia o tempo todo" | Foto: Elisabete Ghisleni/Divulgação



A obra é o terceiro volume da coleção "Roteiro Literário" que já publicou outros dois volumes sobre a vida e obra de escritores paranaenses. O primeiro sobre Jamil Snege (escrito por Miguel Sanches Neto) e segundo sobre Helena Kolody (escrito por Luísa Cristina dos Santos).
Em "Roteiro Literário - Paulo Leminski", o autor analisa a literatura de Leminski a partir da ótica da linguagem. E para sustentar essa análise, utilizada as próprias ideias de Leminski registradas em cartas, entrevistas e ensaios.

A obra também traz uma biogeografia do poeta, que apresenta tanto retratos dos lugares onde Paulo Leminski (1944 - 1989) viveu em Curitiba quanto sua peculiar visão da cidade. Uma cidade que ele considerava autofágica: "Beber em Curitiba não é vício. É legítima defesa". A seguir Rodrigo Garcia Lopes fala sobre o livro.


Em "Roteiro Literário - Paulo Leminski" você argumenta que a poesia de Leminski, mesmo sendo cultuada pelos leitores, ainda não foi devidamente compreendida pela crítica. Por quê?
Teve uma época em que o Leminski, depois de morto, virou saco de pancadas por parte de críticos-poetas, sobretudo do eixo Rio-São Paulo. Não perdoaram seu sucesso. Isso acontece até hoje. De fato, Leminski tirou a poesia do eixo, na época, trouxe-a para a Cruz do Pilarzinho. O problema é que as abordagens de sua poesia ficaram tão viciadas quanto os vícios que enxergam na poesia dele. Acho equivocado reduzir sua obra à paronomásia, ao trocadilho e ao haicai, pelo qual acabou ficando mais conhecido, quando ele praticou outras figuras de linguagem e formas poéticas. E também acho equivocado julgar a totalidade da obra de um poeta enfocando os momentos menos resolvidos em detrimento dos altos. Pode-se acusar a poesia de Leminski de tudo, menos de ser prosa empilhada em linhas, cortada aleatoriamente, que é o que se observa em boa parte da poesia brasileira hoje. Ele era um craque do verso. Mas digamos que preferia ser mais um velocista a um fundista.

O livro destaca a importância que a linguagem tem na literatura de Leminski. Você considera que esse elemento permaneceu invisível em sua produção?
Pelo contrário, Leminski discute a linguagem o tempo todo. Pegue qualquer uma de suas entrevistas. Era fascinado pelo tema. Ele não separa a vida da linguagem. Como ele afirmou: "A linguagem é o único signo que sai de nossa boca com o calor do nosso hálito". Há uma quantidade considerável de poemas reflexivos, onde a linguagem, e a consciência da consciência, são os focos principais.

Pelo fato de sua poesia ser altamente comunicativa, os leitores não percebem o elaborado trabalho de linguagem que existe por trás dos versos?
Sim, a poesia de Leminski tem uma simplicidade enganosa. Sua "espontaneidade" camufla anos de janela, prática, percepção, erros, tentativas. Leminski estava em estado de poesia 24 horas por dia. Escrevia o tempo todo. Ele descreve o processo: "Quando penso 'preciso escrever', penso 'preciso colocar ideias no papel'. A partir de três ou quatro palavras eu faço um jogo". 

"Roteiro Literário - Paulo Leminski" também destaca a importância do humor na poesia de Leminski. Como você descreve esse humor?
Acho que ele tem um humor curitibano que é bem brasileiro, malandro, muitas vezes cáustico, cuja função é aliviar, criticamente, a barra de viver. É bom lembrar que durante boa parte de sua vida o país estava sob censura e ditadura militar, então o humor tem esse caráter de resistência existencial, muito útil também nos tempos atuais. Em todo caso, está no modo de Leminski ver a vida, rir de si mesmo, não levar as coisas tão a sério. Também é uma das formas que ele usa para mobilizar ou desestabilizar o leitor. "Quem não tem senso de humor, nunca vai entender a piada", como ele disse. Mas é um humor inteligente e que muitas vezes disfarça uma ou mais dores profundas.

No livro você faz uso de uma série de textos e poemas inéditos. Ainda existe muita produção inédita de Leminski para ser conhecida?
Encontrei e reencontrei alguns bons poemas inéditos em livro na minha pesquisa, seja em fontes pessoais, jornais da época, sobretudo no Acervo Paulo Leminski disponível no www.pauloleminski.com.br
Mas deve ter mais coisa que eu não conheço. Uma pesquisa mais detalhada poderia garimpar alguns inéditos de qualidade a serem incorporados em suas obras completas.

Como Curitiba, cidade em que Leminski viveu grande parte da vida, está presente em sua literatura?
Leminski é um poeta que incorporou Curitiba em sua obra. Talvez não de modo tão explícito quanto em Dalton Trevisan, Jamil Snege, Cristovão Tezza e outros, mas a cidade foi seu espaço de guerrilha e atuação, de vida. Sua identidade curitibana começava a partir do momento em que ele abria a boca. Acho que ele não conseguiria morar em outro lugar. Ele mesmo afirmava isso, quando dizia que "pinheiro não se transplanta".

Fragmento:

Praticante de uma poesia direta, personalíssima, de sofisticada e enganosa simplicidade, Leminski nunca escondeu seu desejo de fazer sua obra chegar ao maior número de pessoas, mesmo correndo o risco da banalidade. Em uma carta ele parece antever uma resposta à futura acusação de ter acabado praticando uma poesia média, irrelevante: "Quero ser claro, quero ser comunicação. Banal, nunca! Óbvio, jamais!" A meta almejada era a fusão do rigor formal com a liberdade expressivo-criativa. É bom lembrar que Leminski morreu aos 44 anos, quando tinha ainda muita poesia para fazer, muitos caminhos possíveis para serem trilhados.

(Fragmento de "Roteiro Literário - Paulo Leminski", de Rodrigo Garcia Lopes)


Imagem ilustrativa da imagem O habitante da linguagem
| Foto: Reprodução



Serviço:
"Roteiro Literário - Paulo Leminski"
Autor - Rodrigo Garcia Lopes
Editora - Biblioteca Pública do Paraná
Páginas - 180
Quanto - R$ 20
(O livro pode ser adquirido na Biblioteca Pública do Paraná, pelo telefone (41) 3223-4951 ou pelo e-mail [email protected])