Já faz tempo. Algumas décadas atrás. Todo moleque andava com um estilingue nas mãos e o bolso cheio de pedras. O desafio era um só: matar passarinhos.
Dois tipos de pássaros eram os principais alvos. As rolinhas e os pardais. As rolinhas viravam alimento. Os pardais não eram comestíveis, morriam simplesmente pelo exercício da pontaria.
Havia uma tradição do estilingue, também chamado de bodoque ou atiradeira. Todo menino precisava ter um. Ser um bom matador de passarinho era algo admirável. Algo como ser um grande goleador no futebol. Pontaria era tudo.
O escritor Wander Piroli (1931 - 2006) narra a história de um garoto dessa época em ''O Matador'', obra infantojuvenil publicada pela editora Leitura com ilustrações de Odilon Moraes. Um moleque ruim de pontaria, incapaz de acertar um pardal imóvel do fio de um poste.
Todos os outros garotos do bairro manejavam o estilingue com destreza. Menos ele. Por mais que treinasse a pontaria, nunca acertava o alvo. Era motivo de chacota por parte de toda a turma.
Almejava ser um exímio matador de passarinhos. Ou conseguir matar pelo menos um mísero pardal. Um só. E mostrar para todos os moleques que também era capaz de matar passarinhos.
Então, um belo dia, ele percebe um pardal dando bobeira no telhado e atira uma pedra. Acerta o alvo. A ave cai.
Inundado pela euforia, tenta mostrar para todo mundo sua façanha. Mas não acha ninguém para testemunhar seu feito. Com o pássaro morto nas mãos, não encontra ninguém para admirar sua conquista.
De nada vale matar um passarinho sem testemunhas. Nada significa. É preciso ser admirado pelo feito.
Se Wander Piroli terminasse a história nesse ponto já seria admirável. Mas, fazendo o uso mínimo de palavras, vai além. Com o passarinho morto nas mãos, totalmente sozinho, sem testemunhas, o garoto percebe o tremendo vazio de seu ato. O cruel despropósito de seu gesto.
E, nesse exato instante, deixa de ser um garoto. Abandona o universo infantil para entrar no mundo adulto. Conhece pela primeira vez a dor.


SERVIÇO
‘‘O Matador’’
Autor – Wander Piroli
Ilustrações – de Odilon Moraes
Editora – Leitura
Páginas – 32
Quanto – R$ 22

LANÇAMENTO

Dúvida
  Aninha era aquele tipo de criança que todo mundo adorava, tudo que ela fazia era considerado ‘‘uma gracinha’’, só elogios. Certo dia, cansada de ser sempre uma gracinha, resolve se transformar numa pestinha. Começa então a fazer todo tipo de provocação. Coisas como falar de boca bem cheia e subir em cima da mesa na hora do almoço. Sua história está em ‘‘Aninha, a Pestinha’’, livro infantil de Juliet Mickelburgh. No final, na dúvida entre ser uma gracinha e uma pestinha, Aninha escolhe ser ela mesma.
n Editora Companhia das Letrinhas, ilustrações de Anna Laura Cantone, tradução de Eduardo Brandão, 32 páginas, R$ 28.