''Não cabe ao escritor a solução dos problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou o que sobre Deus e o pessimismo.''
Com essas palavras o escritor russo A. P. Tchekhov (1860 - 1904) definia sua visão de literatura. Para ele, era necessário apresentar histórias onde os impasses da existência humana não fossem mastigados e solucionados pelo autor, mas apenas revelados em suas múltiplas leituras, abordagens e visões.
Numa época em que o engajamento dos escritores era considerado um dos principais ingrediente da ficção, Tchekhov enfrentou desafetos de origens diversas e de diversas posições. Num período histórico em que os grandes romances arrebanhavam multidões, manteve-se sempre fiel à narrativa curta por toda a vida. O tempo fez seu sábio papel e transformou Tchekhov em um dos grandes nomes da literatura russa.
A literatura de Tchekhov passou a ser conhecida no Brasil graças ''A Dama do Cachorrinho e Outros Contos'', uma coletânea organizada e traduzida por Boris Schnaiderman. Publicado no início da década de 80, pela Editora Brasiliense, o volume foi reeditado em 1999 pela Editora 34. Agora a Cosac Naify Edições está publicando num nova coletânea de contos inéditos, com seleção e tradução do romancista carioca Rubens Figueiredo, em seu primeiro trabalho de tradução do russo.
''O Assassinato e Outras Histórias'' reúne seis contos de Tchekhov escritos em seus últimos anos de vida, entre 1894 e 1900 e um apêndice com uma série de cartas do escritor endereçadas ao seu editor. São histórias que relatam o cotidiano do povo russo rural em meio aos dramas íntimos e coletivos. A miséria e a religião são os temas que permeiam a maioria das histórias.
As narrativas de Tchekhov não contém histórias completas, mas recortes de histórias. Partem do conceito de que uma pequena parte narrativa contém a história como um todo. Dessa maneira, a abertura que a ficção oferece, em seus sentidos mais amplos, são visivelmente maiores do que o habitual.
Tchekhov propagava uma radical receita para a criação de contos. Depois de concluído o texto, o autor deveria suprimir o primeiro e último parágrafo. Para ele, o começo e o fim da narrativa eram o território onde o autor colocava maior peso no direcionamento da leitura. Com o corte, o conto estaria livre da intenção do autor e caminharia com total liberdade aos olhos do leitor.
Nascido numa família de camponeses, Anton Pavlóvitch Tchekhov cursou faculdade de Medicina na Universidade de Moscou. Exerceu a profissão de médico juntamente com a de escritor durante décadas, em pequenos vilarejos do interior. Essa experiência de proximidade com a vida de homens simples, deu-lhe subsídios para compor personagens afogados pelo próprio destino.
A atmosfera criada nos contos que integram ''O Assassinato e Outras Histórias'' impressiona pela capacidade de tratar fatos da mesma maneira como o sol trata os desertos. A narrativa não se atém aos fatos, mas passa por eles como se atravessasse uma porta. Tudo para revelar as nuances seja nas origens ou nas consequências que os fatos são capazes de gerar muito longe do bom senso. Nuances que podem desenhar pelas paredes da vida a normalidade do espanto.
Serviço:
''O Assassino e Outras Histórias'' de Anton P. Tchekhov, Cosac & Naify Edições, tradução e prefácio de Rubens Figueiredo, 264 páginas, capa dura, R$ 37,00.