O argumento é batido. Uma verdadeira ladainha que se propaga através dos anos: os brasileiros lêem pouco porque não possuem hábito de leitura e os livros são caros. Mas um novo argumento provocador está surgindo: as pessoas não lêem porque grande parte da literatura brasileira é chata. Pelo menos aquela literatura que a academia valoriza e cultua.
Esse argumento proposto pelo escritor e professor carioca Felipe Pena está na antologia ''Geração Subzero'' que acaba de ser lançada pela editora Record. O subtítulo do livro explica bem o sentido da compilação de contos: ''20 autores congelados pela crítica mas adorados pelos leitores''.
O livro reúne histórias escritas por autores que possuem uma legião de leitores mas não existem para a academia. Autores que já venderem mais de 700 mil exemplares e nunca ganharam um prêmio literário e nem receberam um único comentário da crítica especializada. Grande parte deles nasceu entre a década de 70 e a de 80. Entre eles, estão figuras como Thalita Rebouças, Eduardo Spohr e André Vianco.
''Geração Subzero'' reúne narrativas dos mais diversos gêneros: terror, ficção científica, fantasia, policial, fábula, suspense, folclore, etc. Um balaio de gato pautado por um motivo justo e simples: contar uma história bem contada. O organizador não tem pudores em defender a literatura de entretenimento frente a discussão sobre a formação de um público leitor no país.
Felipe Pena defende para a literatura brasileira aquilo que outras artes, como a música e o cinema, já conquistaram: o direito de ser, sem dramas, entretenimento. E, se possível, servir como porta de entrada para narrativas mais complexas. A tese é simples: para formar um público leitor é necessário oferecer inicialmente o prazer imediato da leitura e depois as complexidades da arte narrativa.
Ele bate de frente contra a crítica acadêmica que opta por traçar um único cânone a ser cultuado. Tal preferência seria formada, regularmente, por vertentes pautadas por jogos de linguagens, hermetismo, experimentalismo linguístico e erudição. Em suas palavras, ''são os doutores universitários que prejudicam a formação de um público leitor no país. A linguagem da academia é produzida como estratégia de poder. Quanto menos compreendidos, mais nossos brilhantes professores se eternizam em suas cátedras de mogno, sem o controle da sociedade. E isso reflete na literatura''.
Mas isso, segundo Felipe Pena, não significa que os cânones devem ser desprezados ou não detenham qualidade, são devidamente obras de arte valorosas. O drama seria outro: ''A academia e uma elite leitora condicionaram que só tem valor aquilo que está na elipse, que força o leitor a encontrar sentido onde poucos conseguem enxergar. Por essa premissa, o que é fácil de ler não tem valor literário. E quem discorda dela é tachado de superficial''.
O próprio título da obra, ''Geração Subzero'' remete a outras antologias organizadas pele escritor paulista Nelson de Oliveira que despertaram polêmicas tempos atrás: ''Geração 90 -Contos de Computador'' (2001), ''Geração 90 - Os Transgressores'' (2003) e ''Geração Zero-Zero'' (2011). O objeto é semelhante, abrir discussões sobre assuntos que permanecem sonolentos, embaixo de edredons.
Professor universitário e doutor em literatura, Felipe Pena, autor de 12 livros, é um dos defensores do chamado ''Manifesto Silvestre'' criado por um grupo de escritores em 2011. O manifesto tem como propósito a valorização das narrativas que formam leitores e popularizam a literatura. O objetivo não é desprezar a qualidade de obras complexas, mas valorizar a literatura apreciada por leitores comuns. O termo ''silvestre'' é utilizado na designação de algo que brota de forma espontânea, de maneira natural. A literatura que nasce por iniciativas pessoais, nos mais diversos cantos possíveis, repleta de diversidade e com alto poder de comunicação com o leitor.
''Geração Subzero'', enquanto antologia de posição estética e ideológica, tende a seguir vários caminhos diferentes aos olhos do leitor. Num deles, levar porrada de todos os lados por sua fragilidade. Em outro, abrir a discussão sobre como a literatura pode ser encarada como método científico rigoroso e, ao mesmo tempo, como entretenimento e diversão. Em outro ainda, provocar silêncio e desprezo. E mais outro, despertar o prazer de ler uma história. Enfim, a literatura para todos.

Serviço:
- ''Geração Subzero''
Organização - Felipe Pena
Autores - Eduardo Spohr, Thalita Rebouças, André Vianco, Juva Batellla, Pedro Drummond, Luiz Bras, Luis Eduardo Matta, Eric Novello, Sérgio Pereira Couto, Estevão Ribeiro, Raphael Draccon, Delfin, Ana Cristina Rodrigues, Julio Rocha, Helena Gomes, Carolina Munhóz, Vera Carvalho Assumpção, Matha Argel, Janda Montenegro e Cirilo S. Lemos
Editora - Record
Páginas - 322
Quanto - R$ 39,90

Fragmento:

1. Em literatura, entretenimento não é passatempo. É sedução pela palavra.
2. Tudo é linguagem, mas a narrativa é a base da literatura. Uma história bem contada é o objetivo que perseguimos.
3. A ficção brasileira precisa ser acessível a uma parcela maior da população. O que não significa produzir narrativas pobres ou mal elaboradas. Rejeitamos o rótulo de superficialidade. Escrever é muito difícil.
4. Os academicismos, jogos de linguagem e experimentalismos vazios não nos interessam. Respeitamos a produção que segue esses parâmetros, mas nosso caminho é inverso.
5. Estamos preocupados com a formação de leitores assíduos e frequêntes para a ficção brasileira.
6. A literatura não pode se limitar a uma elite que dita regras, cria rótulos e se autoenaltece em resenhas mútuas, eventos e panelas.
7. O autor pode e deve se esforçar pela disseminação de sua obra, o que significa se envolver com a distribuição, o marketing e demais processos de produção.
8. Gostamos de enredos ágeis e cativantes. E valorizamos títulos que chamem a atenção do leitor e despertem a vontade de chegar até o livro.
9. Não colocamos o desejo soberano de ser lido como única origem do processo criativo. Mas queremos espaço para aqueles que têm tal desejo.
10. Apesar da tão apregoada diversidade da prosa nacional, uma parcela da crítica acadêmica dividiu-se em polos antagônicos. Quem não é moderninho é superficial. E ponto final. Rejeitamos esse maniqueísmo que produz distorções, afasta leitores e joga sua névoa sobre o mundo literário.
(Fragmento de ''Geração Subzero'', organizado por Felipe Pena)