Não era nos shoppings, nas praças, nos cafés ou rodas de negócios que alguém, à procura de Amilton Yassushi Miyakawa, 67 anos, iria encontrá-lo em Londrina. Desde que retornou do Japão, para tratar da saúde, ele fez da Biblioteca Pública Municipal de Londrina Pedro Viriato Parigot de Souza, localizada na Av. Rio de Janeiro, 413- o local onde se sentia mais à vontade.

Diariamente, assim que as portas eram abertas, lá estava Miyakawa disposto a se debruçar sobre os livros de matemática, a área de Exatas era a de sua maior afinidade. Eram horas dedicadas a desenvolver cálculos, ao mesmo tempo em que da chegada até a sua saída da unidade, o usuário fazia questão de cumprimentar a todos os servidores, desejar-lhes um bom dia de trabalho, bem como na saída, repetia o gesto de se despedir e desejar o descanso merecido.

O técnico de Gestão Pública da Biblioteca, Guilherme Yung Wing Li, atua na repartição pública há 26 anos. "Não temos como precisar se é há 15 ou 10 anos nos relacionamos com o seu Amilton , mas sua assiduidade marcou a todos e nesta quarta-feira (14), seu irmão veio nos relatar o seu falecimento. Ficamos bastante impactados, pois ele tinha uma expectativa muito grande pela reabertura da Biblioteca, ao mesmo tempo em que falava que o mais importante, de seu ponto de vista, era que cuidássemos de nossa saúde durante a pandemia e compreendia as medidas de restrição. Numa das visitas, Li fez uma foto de seu Amilton. "Ele gostou da ideia e até sorriu", alegra-se.

Li recorda que seu Miyakawa ficava na biblioteca até umas 14 horas. "Era certamente um ritual para ele e um dia tive a curiosidade de perguntar o que faria depois e por qual motivo ele ia embora sempre no mesmo horário. Então ele me contou que ia ver "Vale A Pena Ver de Novo", à época, a novela reprisada era Senhora do Destino", relembra Li com carinho.

Amilton Yassushi Miyakawa na Biblioteca Pública Municipal: sua preferência era por livros de matemática
Amilton Yassushi Miyakawa na Biblioteca Pública Municipal: sua preferência era por livros de matemática | Foto: Guilherme Yung Wing Li/ Divulgação

Sereno, educado e interessado também em criar vínculos com os servidores, Miyakawa marcou a todos por sua presença e dedicação aos estudos. Era um modelo de leitor. De acordo com a Diretora do Sistema de Bibliotecas Públicas de Londrina, Leda Araújo, era uma relação muito saudável e, desde os tempos em que Araújo atendia na parte dos fundos, onde funcionava a Biblioteca Infantil, Miyakawa a visitava. "Sua gentileza em levar balinhas de hortelã para todos também tornou-se uma referência, assim como o seu asseio com o espaço. "Se via alguma pichação nos banheiros ou ato que ia contra os bons costumes, nos alertava, numa demonstração de extremo cuidado e amor por nossa biblioteca", expõe Araújo.

"Vai fazer muita falta", é o que todos os servidores comentam sobre sua morte repentina. Guilherme Yung Wing Li comenta que recentemente o viu na fila da 17ª Regional de Saúde para retirada de medicação. "Não entramos em detalhes com a família, sabemos que caiu no banheiro, mas não temos a informação se teve um mal estar que causou a queda e seu óbito foi no dia 1º de julho", afirma Li.

Entre algumas curiosidades sobre esse leitor tão especial há o fato de nunca ter levado um livro para sua casa. "Lia o jornal diariamente. Além disso, era um estudioso, pesquisador e muito inteligente. Conhecia sobre a história da Grécia, de Roma Antiga e amava o espaço", expõe Leda Araújo. "Éramos parte de seu convívio e sua família comentou que ela falava bastante de nós quando estava em casa. Foi uma convivência harmônica e ficamos felizes que a Biblioteca tenha essa imagem para seus frequentadores", afirma.

Biblioteca Pública Municipal: local que  Amilton Yassushi Miyakawa escolheu para seus estudos diários
Biblioteca Pública Municipal: local que Amilton Yassushi Miyakawa escolheu para seus estudos diários | Foto: Gustavo Carneiro/ Arquivo Folha 15-06-2020

Para Leda, sua figura marcou e ficará na memória de todos: "Era uma pessoa muito sábia e que gostava de compartilhar conhecimento. Um dia me perguntou como eu usava o alho. Expliquei que macerava no pilão e era um processo habitual para mim. Pois seu Amilton afirmou que eu estava fazendo do modo correto, elencou as propriedades do alho e especialmente sobre o "caldinho" formado no processo de preparar o bulbo em tempero, tão popular na culinária." Leda cita também que Amilton ficou muito satisfeito com a reforma da biblioteca e fez questão de expor sua alegria a todos. "Ele sabia o quanto lutamos por essa reforma e também não deixava passar datas comemorativas como Natal e Ano Novo", conta.