São Paulo - Homens e mulheres, jovens e velhos, pobres e ricos – eles compõem uma massa diversa que toma as ruas do Rio de Janeiro numa tentativa de fugir da polícia, enquanto fumaça e violência se alastram pelo asfalto. O que os une é a cor de sua pele, motivo pelo qual a perseguição caótica de uma das primeiras cenas de "Medida Provisória" acontece.

Racismo não é uma palavra estranha ao vocabulário do brasileiro, mas no filme que chega agora aos cinemas (confira a programação de cinema de Londrina nesta edição), ele é elevado a níveis extremos e institucionalizado de tal forma que o governo da trama consegue aprovar uma lei que manda, à força, qualquer cidadão com traços africanos para países aleatórios da África.

Essa é a distopia que Lázaro Ramos escolheu para marcar sua estreia na direção de um longa-metragem. Para além da dificuldade de traduzir essa trama, originalmente concebida para o teatro sob o nome "Namíbia, Não!", o ator-diretor teve que enfrentar ainda desafios relacionados à liberação da estreia de "Medida Provisória" pela Ancine, a Agência Nacional do Cinema.

Exibido no festival americano South by Southwest, o SXSW, em março do ano passado, o filme vem tentando, nos últimos meses, chegar às salas brasileiras, mas enfrentou empecilhos burocráticos para que o órgão autorizasse o lançamento, o que só aconteceu depois de quatro adiamentos.

"O que sabemos é que um membro do governo puxou um boicote lá atrás, dizendo que o filme foi feito para falar mal do ‘messias’. Depois, a gente precisava de uma simples assinatura para trocar nossa distribuidora e isso demorou um ano e alguns meses para acontecer", explica Lázaro. "Censura também se faz com burocracia e foi isso o que aconteceu. O flerte com a censura é expediente desse governo, a gente sabe."

Para a Ancine, prazos regulares foram respeitados, já que "o pedido de troca de distribuidora do projeto selecionado para investimento é um fato relevante e merece necessariamente a análise pela equipe técnica".

O repúdio ao filme aumentou nos últimos dias, graças principalmente ao ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que nas redes sociais vem atacando a equipe da obra e rejeitando sua relação com o governo – relação esta que nunca é traçada pela trama, concebida há cerca de uma década.

Ramos decidiu dirigir "Medida Provisória" meio que por acidente. Como já havia comandado a trama no teatro, ficou provisoriamente à frente da adaptação cinematográfica, esperando que outro cineasta a assumisse, o que não aconteceu. Agora, ele celebra o fato de ter exercitado a direção de um projeto que vê com tanto carinho, e isso muito pelo estímulo de sua mulher, Taís Araujo.

No longa, ela vive uma médica que é separada do marido quando a medida provisória do título, a que extradita os negros para a África, é aprovada. Enquanto ele consegue ficar abrigado em seu apartamento, devido a uma questão jurídica, ela encontra abrigo num "afrobunker", uma versão moderna de quilombo que instiga nela uma consciência racial que inexistia.

Além dela, o ator-diretor também teve Seu Jorge, Adriana Esteves, Renata Sorrah e Emicida diante de sua câmera e diz que a obra fala sobre dores, mas sem cair num lugar-comum de diagnóstico. Como par romântico de Araujo, ele escalou o ator anglo-brasileiro Alfred Enoch, conhecido pela franquia "Harry Potter" e a série "How to Get Away with Murder", em seu primeiro trabalho em solo brasileiro.

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