Por trás da vida há várias crenças, dúvidas e suposições, estar presente vai além do físico, principalmente quando se encontra alguém que parece dar aula de como devemos viver. No dia 4 de março a empresária Juliana Carvalho Lopes, 45, após uma honrosa batalha contra o câncer, faleceu durante a madrugada, em Londrina. Sua mãe, Márcia Lopes, ex-ministra da República e assistente social, agora possui uma saudade imensa no peito e um exemplo de filha maior ainda.

Em 2019, Juliana descobriu um tumor no intestino e em poucos dias após os exames, já estava na mesa de cirurgia para retirada, ali iniciou uma caminhada que ela escolheu bem como seria conduzida. Sempre alegre em suas fotos, reunida com familiares e amigos, deixou um presente a todos após a sua partida, uma carta de despedida que ela mesmo pediu para ser lida em seu velório e distribuída para todos. A carta repercutiu nacionalmente.

O ESTIGMA DA DOENÇA

A dura tarefa de se conformar com a partida de um ente querido parece ser difícil para todos, mas é ausente nas discussões na mesma proporção. Entrar em estado de negação, principalmente nesses momentos, seria a pior das maneiras de encarar o final destinado para todo mundo, o que acusa o tabu em torno do assunto. Quando falamos sobre o câncer ainda há diversos estigmas sobre a vivência com a doença durante o tratamento, a visualização na mente já criando um monstro se faz imediatamente, mas é necessário desmistificar e encontrar exemplos de quem vive feliz, mesmo num tratamento penoso, que pode ser encarado como uma outra chance de se reinventar.

A mãe, Márcia, foi um dos grandes alvos dos abraços apertados no dia do funeral e mostrava a todo momento que viveu ensinamentos com a filha, a mais velha dos quatro irmãos, que ficarão para sempre: “As pessoas vinham me cumprimentar no velório, falando ‘Onde já se viu, isso é revoltante!’, eu discordava, nunca mais vou ter coragem de falar mal da morte porque a Juliana nos ensinou que a morte é um processo absolutamente natural, que é da vida. Se revoltar só faz a gente sofrer, por isso ela disse na carta, ‘se o que me resta é a morte, eu vou me ocupar de viver’”.

Acompanhada por um equipe de médicos para os seus cuidados paliativos, Juliana se mostrou feliz, em paz e muito ativa. Até os seus últimos dias organizou festas, chá de cozinha para a mudança de sua filha Gabriela, e também uma reunião para se despedir, desmistificando a doença que muitas vezes é lembrada como algo sem saída. Márcia mostra que sua filha foi oposto do que nos é ensinado sobre a doença.

Quando diagnosticada em 2019, ao longo das avaliações e após saber que o tumor era maligno, as notícias não foram boas, uma grande presença de tumores no fígado fez com que os dias parecessem apertados para o tanto de vida ainda desejada, mesmo tendo alguns meses de vida até então indicados pelos médicos, a força e vontade de viver transformaram meses em anos e como conta a mãe, ela dizia estar "vivendo um privilégio" de conquistar tempo a mais para celebrar com as pessoas que a cercavam.

Juliana Carvalho Lopes: "A morte é o grande clichê da vida, simplesmente, porque ela é implacável e a mais democrática das situações humanas"
Juliana Carvalho Lopes: "A morte é o grande clichê da vida, simplesmente, porque ela é implacável e a mais democrática das situações humanas" | Foto: Acervo pessoal

DAR DIGNIDADE À MORTE

Para a Doutora Heloisa Maria Freire Marconato, 35, presente durante os cuidados paliativos, esse momento é um dos mais importantes para o paciente e a família, melhorar a convivência com a doença, perdendo o estigma da morte. Todos os cuidados recebidos na hora certa, baseados em critérios clínicos adequados, faz com que eles voltem a ver a vida como protagonistas e não apenas encarando a morte. "O objetivo é promover a vida com qualidade e dar dignidade à morte. Abordamos as quatro esferas de sofrimento, o físico, psíquico, social e espiritual, tudo o que compõe um ser humano com uma doença que ameace a vida", conta a médica paliativista.

"Essa equipe paliativa foi muito importante porque deu a ela o conforto, desde que ela sentiu que a vida estava se afunilando, ela disse que queria morrer em casa, não queria ser entubada, queria morrer com dignidade perto das pessoas que a amavam”, conta Márcia. A mãe notava que Juliana estava sempre rodeada de pessoas, fossem amigos, familiares e também a equipe médica que foi dando muito carinho. "Foi genuíno e mágico viver com ela esse processo de ressignificar a doença e as condições de limites que o período trouxe. Teve uma vida feliz, apesar da doença e fez o possível para que a família lidasse de forma leve, apesar da tristeza com a sua finitude. Tudo o que fizemos nesses anos do cuidado foi com respeito, dando valor ao que tinha importância para ela", diz a doutora Heloisa.

CORAÇÃO DE MÃE

Para a mãe é sempre diferente, a ausência fica não somente na sala de casa, nas reuniões de família e nas mensagens diárias que agora ficaram em pensamento, a ausência de um filho se encontra também num cheiro, na saudade do abraço, da pele e daquela parte que sai de dentro e vive fora do corpo. “Um dia ela me disse que a pessoa que ela mais se preocupava era comigo, com o Márcio e os filhos e também a minha mãe. Neste dia, fiquei com ela sozinha e procurei demonstrar que estava tranquila, falei para ela que estávamos tentando o seguir o que ela nos ensinava. A gente não estava acostumado com isso, de olhar a morte e achar natural ou encontrar uma pessoa que diz ‘eu vou morrer mas eu estou bem”, diz Márcia Lopes.

Conversando com outras mães, umas que também perderam seus filhos, uma nova visão sobre essa etapa é compartilhada, principalmente. quando se escuta de todas as mães que a saudade nunca passa. Márcia concorda, mas vê com beleza: “Claro, eu acredito nisso, mas acho que não passa para ninguém que conviveu com a pessoa que partiu. Ela vai estar sempre na memória, mas acho que é uma memória boa, uma memória que tem que ser alegre”.

Nesses momentos, quando os dias vão mostrando que a saudade invade, a rotina também vai batendo à porta, dizendo que a vida continua, mas não é para todos que esse processo se constrói de maneira rápida. "A forma de lidar com o diagnóstico de estado terminal ou com a morte de um familiar é sempre individual e determinada por um histórico pessoal de como o indivíduo lida com perdas", explica a psicóloga Ana Maria Preuss, 55.

Cada pessoa vive o luto de uma maneira e quando se vai alguém tão próximo, ter um círculo de pessoas que recebe o seu momento com carinho e paciência é mais do que importante. "Na atualidade vemos com frequência uma intolerância da sociedade em lidar com o luto das pessoas, famílias. Em uma situação de morte vemos as pessoas inadvertidamente 'receitando' calmantes e até antidepressivos. Antigamente as pessoas guardavam luto por um ano e isto era respeitado".

O sorriso será eternizado, as lembranças ficam no coração de quem conviveu com Juliana e, certamente o seu exemplo de como encarar a vida foi passado nas palavras através da carta deixada. Tudo o que fez já modificou muitos pontos de vista, desde os seus posts em redes sociais sobre a rotina do tratamento, até mesmo nas últimas celebrações organizadas para criar memórias marcantes com os seus escolhidos.

A missão de ser feliz e eterna parece se fazer real, já que não podemos viver fisicamente para sempre, aprendamos a dar tchau com gosto de até logo.

Márcia Lopes com a filha Juliana: "A gente não estava acostumado com isso, de olhar a morte e achar natural ou encontrar uma pessoa que diz ‘eu vou morrer mas eu estou bem”
Márcia Lopes com a filha Juliana: "A gente não estava acostumado com isso, de olhar a morte e achar natural ou encontrar uma pessoa que diz ‘eu vou morrer mas eu estou bem” | Foto: Acervo pessoal

TRECHOS DA CARTA

Leia a seguir, trechos da carta de despedida de Juliana Carvalho Lopes

"Nesse momento difícil, intenso, em que a vida se esvai, ainda assim é preciso desmistificar a doença, a morte. Sou prova viva de que é possível ser feliz com câncer. Eu fui.

Reescrevo algumas coisas aqui, para continuar mostrando que, se por um lado houve razão para a tristeza e a apreensão, pela doença, o tratamento, a ansiedade para que tudo passasse logo e que eu tivesse chance de uma vida longa… Por outro, sempre tive a opção da alegria, um antídoto que foi poderoso contra qualquer tentação de pessimismo. Que foi a minha escolha. E continuaria sendo. Mas temos nosso tempo nesse mundo.

Pode soar estranho, mas nessa montanha russa, que foram esses últimos quase quatro anos, cheguei a sentir um alívio. Porque me livrei de mesquinharias e obrigações. Convenientemente, reduzi meus deveres a somente um: VIVER.

O resto foi consequência. E contingência. Eu vivi. Eu fui feliz. Eu convivi com as pessoas da minha vida, da forma mais plena e leve que pude. Com dignidade e amor.

(...)

A morte é o grande clichê da vida. Simplesmente, porque ela é implacável e a mais democrática das situações humanas. TODO MUNDO vai. Assim mesmo, não sabemos lidar com ela, porque ela nos arranca, sem aviso prévio, as pessoas que amamos e pode nos arrancar delas, da mesma forma.

Mas sabe o que é felicidade???É estar passando pelo momento mais sinistro da vida e receber o melhor das pessoas. E descobrir o melhor de si mesma.

Vivam meus amores."

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