Se fosse possível aos nossos deputados revogar a lei da gravidade, todos sabem que eles o fariam. E como seria útil para o país tal façanha. Só a economia na construção de pontes e viadutos já justificaria o ato. Mais ainda o impacto global que isso teria em toda nossa situação econômica: sem lei da gravidade, o abismo seria mais suportável e o gigante estaria bem mais tranquilo à sua beira.
E a lei da meia-virgindade? Também seria útil, evitando tantos dissabores familiares e até - apesar da modernidade - acelerando certos casamentos que empacam na ausência de uma virgindade inteira. Meia-virgindade para todos então: e revoguem-se as diposições em contrário.
O Congresso Nacional ainda não avançou nessas duas matérias. Muito trabalho acumulado, vocês sabem. Mas está bem adiantado na criação da lei do meio-nepotismo. É uma sofisticação admirável que pode fazer muitas questões morais e políticas serem finalmente resolvidas no país: basta tratá-las como questão de quantidade e não de princípios.
É o modo original que os deputados encontraram para regulamentar a contratação de parentes no Congresso Nacional. A idéia é estabelecer cotas de parentes a serem contratados. O presidente da Câmara, Michel Temer, chegou a falar em números, dois parentes por deputado, o que é uma média para início de discussão. Está certo: o neoliberalismo brasileiro só funciona com filhos, mulher e a parentaiada sendo paga pelo contribuinte.
O precedente poderia também servir como modelo para a solução de tantos outros problemas. A corrupção, para citar um deles, não faria mais a gente passar esta vergonha toda se fosse criado um eficiente sistemas de cotas. Menos de dez por cento de comissão estaria liberado e com isso salva a nossa honra.
No caso do meio-nepotismo não está esclarecido se o número é flexível conforme o grau de parentesco. Pessoas com parentesco afastado, como sogra por exemplo, poderiam ser contratadas em maior quantidade. Duas sogras, três primos e um tio valem por dois filhos. Sete cunhados, daqueles bem chatos, equivalem a um filho pródigo. Parentes-problema, daqueles para quem ninguém é besta de oferecer emprego, valeriam meia vaga.
Parentes com idade superior a 65 anos teriam um abatimento na contagem. E familiares que privam da intimidade do parlamentar (esposa, amantes, essas coisas) nem contariam pois são parte indiscutivelmente interessadas no bom andamento do mandato.
Tudo isso, contudo, são elementos de fácil resolução em uma discussão democrática; a lei do meio-nepotismo é realmente bem vinda. E já tem até o dístico de honra para ser definitivamente gravado na história da Câmara. De autoria do deputado Themístocles Sampaio (PMDB-PI), autoridade inquestionável na matéria, já é uma das máximas fundamentais da política brasileira: Sou pelo nepotismo. Empregarei meus parentes enquanto puder. Se eu puder amparar minha família toda, ampararei.
Vamos torcer para que essa lei seja logo promulgada, para que os deputados possam votar finalmente aquela outra, a da meia-virgindade.
Jota



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