O navegador espanhol Juan Diaz de Solís fez uma parada estratégica na ilha de Meiembipe - hoje Florianópolis - antes de seguir para o Sul. Solís tinha uma missão arriscada e secreta, encomendada pelo próprio Rei Fernando: descobrir uma passagem pelas Américas para o Oriente. Era fevereiro de 1516.
Solís chegou ao Uruguai, navegou para o norte, entrou em um grande rio - atual Rio da Prata - e avistou uma ilha com vários índios. Hábil na água e desastrado na terra, Solís foi ao encontro dos nativos acompanhado apenas de oito homens.
Foi morto, assado e devorado. Só um grumete sobreviveu. Nos navios, os marinheiros acompanharam o destino do piloto-mor. A saída era voltar rapidamente para a Espanha. Mas, no retorno, uma galé se atrasou. Em abril de 1516, a embarcação naufragou perto de Meiembipe.
Entre os sobreviventes, estava o português Aleixo Garcia. Ele conquistou a simpatia dos índios da região, os cariós, e ouviu histórias fantásticas de uma civilização muito rica que habitava o oeste. Impressionado, Garcia organizou uma expedição, seguiu o caminho de Peabiru, passou pelo território onde hoje se localiza o Paraná - inclusive em locais onde estão as cidades de Araucária e Lapa; chegou ao Tibagi próximo a Ponta Grossa e seguiu em direção a Guaíra - alcançou o Paraguai, entrou na Bolívia e avistou os Andes. Aleixo Garcia foi o primeiro europeu a contatar a civilização Inca, quase dez anos antes de Francisco Pizarro, o descobridor oficial.
A história de Aleixo Garcia, conhecida em outros países, é praticamente inédita no Brasil. A aventura do navegador português foi resgatada no livro ‘‘A Saga de Aleixo Garcia - O Descobridor do Império Inca’’, da jornalista Rosana Bond.
A autora estudava a história da América Latina quando começou a ‘‘trombar’’ com o nome de Aleixo Garcia. ‘‘Quando li pela primeira vez, não dei importância porque achei que o tal náufrago fosse espanhol. Não me toquei que era um personagem tão ligado ao Brasil. Quando fui para Florianópolis, li que ele viajou ao interior e desapareceu’’, comenta Bond. Foi então que a escritora resolveu mudar os rumos de suas pesquisas e se dedicar ao navegador. ‘‘Ninguém aqui sabe disso, foi um acúmulo de casualidades que me levaram ao personagem’’, ressalta.
O interesse por Garcia é compreensível. Ele chegou a assustar os altos escalões do governo Inca ao saquear as cidades pelas quais passou. A viagem foi tão mirabolante que os índios que o acompanharam levavam esposas e filhos - provavelmente por acreditarem que a expedição era mais um movimento migratório ao qual a tribo estava acostumada, pois os cariós já tinham penetrado anteriormente pela trilha do Peabiru até próximo à cordilheira.
O náufrago recolheu tesouros incontáveis, mas se viu cercado quando tentou fugir. As tribos dominadas pelos incas fecharam o Peabiru e caçaram o português. Aleixo Garcia teve que improvisar uma rota e guerreou praticamente durante toda a retirada. Já no Paraguai, montou um acampamento, provavelmente para recobrar forças para uma nova investida. Não houve tempo. Durante um ataque, Garcia foi assassinado.
Anteriormente, o desbravador - que teria entrado no território do Paraná antes do espanhol Alvar Nunes Cabeza de Vaca - havia mandado uma amostra do tesouro a Meiembipe: mais de 20 quilos de ouro e prata. A notícia chegou até as coroas espanhola e portuguesa, e várias expedições tentaram, em vão, refazer o caminho de Garcia. O local onde o náufrago morreu, no Paraguai, é até hoje chamado Garcia-Cué, que em guarani significa onde tombou Garcia ou lugar de Garcia.
Toda esta trajetória, ao ser remontada por Rosana, exigiu pesquisa árdua. ‘‘Foi um trabalho de arquitetura literária e histórica. No Brasil não consegui praticamente nada sobre ele. Por isso fui para outros países até refazer essa aventura’’, esclarece.
Difícil também é saber por que o navegador é desconhecido no Brasil. ‘‘Desconfio que ele não foi muito estudado pelos brasileiros talvez pela rivalidade entre Portugal e Espanha. Como ele era um português a serviço da Espanha, os cronistas do século 16 não deram muita bola. Tudo era muito delicado em relação à posse dessas terras’’, ressalta, destacando que, no Peru, Bolívia e Argentina, o personagem é enaltecido.
Os motivos da expedição também são obscuros: ‘‘Parte da motivação foi o ouro que provocou, principalmente em Aleixo Garcia. Já os cariós eram caminhantes, para eles a viagem fazia parte de sua indiossincrasia. Mas não existe um estudo aprofundado sobre a motivação.’’
O trabalho de Rosana Bond foi bem recebido no meio acadêmico de Santa Catarina, onde foi lançado, e rendeu elogios do professor Hernani Donato, presidente do Instituto Geográfico e Histórico de São Paulo. ‘‘São poucos os especialistas brasileiros que conhecem o Aleixo Garcia, e o livro abre um novo espaço de pesquisa no País’’, assegura a autora. Bond confessa que a veia jornalística falou alto no trabalho: ‘‘Dei um furo de 500 anos’’, brinca.
A jornalista já recebeu convites para participar de um encontro da Associação Nacional de Professores de História e da Semana de História da Faculdade de Blumenau. Rosana Bond já trabalhou em vários jornais brasileiros e foi editora da Folha. Suas pesquisas já resultaram obras como ‘‘Nicarágua - A Bala na Agulha’’, ‘‘Sendero Luminoso: Fogo nos Andes’’ e ‘‘A Civilização Inca’’, entre outras.
‘‘A Saga de Aleixo Garcia - O Descobridor do Império Inca’’ será lançado, no ano que vem, em Curitiba, Londrina, São Paulo, Brasília e Porto Alegre. O livro tem 86 páginas e pode ser encomendado pelo e-mail [email protected], pelo telefone/fax (048) 223-3428 ou pelo endereço Rua Felipe Schmidt, salas 103/104, Center Plaza - CEP 88010-000 - Florianópolis, Santa Catarina, pelo preço de R$ 10,00.