O jornalista e escritor Marcelo Oikawa faleceu nesta terça-feira (5), aos 72 anos, em Curitiba. Figura emblemática do movimento estudantil londrinense, Oikawa é lembrado pelo bom gosto musical e capacidade de unir as pessoas.

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Na imprensa, trabalhou em veículos como Novo Jornal, Folha de Londrina e Panorama, além de ter sido correspondente do Jornal do Brasil. Enquanto escritor, publicou obras como “Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram”, em 2011, "Fazimento de uma cidade", em 2017, e “Os alquimistas de Curitiba”, em 2022. Ainda no ano passado, se aventurou pela poesia com “Marés – A poesia bissexta dos paranaenses”, ao lado do jornalista Silvio Oricolli e do publicitário Rafael Monteiro.

O jornalista Nilson Monteiro conta que conheceu Marcelo ainda durante a adolescência, quando eles participavam da Ules (União Londrinense dos Estudantes Secundaristas). Mais tarde, na UEL (Universidade Estadual de Londrina), a atuação no movimento estudantil continuou - sobretudo com o jornal “Levanta, Sacode a POEIRA e dá a volta por cima”, um símbolo da resistência ao autoritarismo da ditadura militar.

E a amizade entre os dois acabou indo além dos bancos universitários, já que Marcelo é cunhado de Monteiro e padrinho do seu filho mais velho. Além dos almoços e jantares, a família costumava fazer viagens juntas.

“O jornalismo é a nossa vida, e ele sempre foi uma figura muito emblemática na nossa profissão. Emblemática em várias atividades, mas especialmente no jornalismo”, afirma Monteiro. “Ele foi importantíssimo para o movimento estudantil."

O médico Gilberto Martins, que é conselheiro geral da Alumni UEL (Associação de Ex-Alunos da UEL), diz que “Marcelo era um cara muito inteligente, com uma habilidade estratégica muito grande”, destacando sua militância enquanto estudante.

“O ‘Poeira’ nasceu como jornal, fora do DCE ainda, e acabou se tornando um ponto de aglutinação de estudantes e de discussão, debate sobre a realidade da universidade e do país”, afirma.

Martins também destaca que Marcelo contribuiu para sua formação política. “Era um democrata e defendia que tínhamos que fazer a participação e a militância sempre ouvindo a base dos estudantes”, acrescenta.

'PARCEIROS COTIDIANOS'

Outra companheira do “Poeira”, a jornalista Célia Souza destaca que entre 1970 e 1980 eles foram “parceiros quase que cotidianos”, enfrentando o difícil período ditatorial. Ela lembra que foi construído um trabalho coletivo no movimento estudantil da cidade.

“O mais importante pra mim, nesse período todo com o Marcelo, é a sua coragem, inteligência, determinação, uma boa dose de humor e poesia”, conta Souza. “A gente tinha uma máxima, que era do Millôr Fernandes, que dizia: ‘a mordaça aumenta a mordacidade’. Nós conseguíamos lidar com as piores situações de uma forma bem humorada.”

A jornalista também ressalta que Oikawa era uma pessoa muito antenada no mundo musical. Frequentando a casa do jornalista, ela lembra de ouvir, em 1970, Maria Bethânia, Tom Jobim, os primeiros discos de Chico Buarque. “Tudo que saía, ele era muito atualizado e a gente estava cantando, ouvindo e se alimentando desse tipo de coisa.”

O médico Marco Fabiani opina que Marcelo “tinha uma dimensão política em tudo que fazia”, e que “disciplina” era palavra frequente no vocabulário do jornalista. “Ele foi uma figura basilar na construção do ‘Poeira’, que foi um movimento importante, até hoje temos ressonância disso”, apontando a importância da obra sobre a Guerrilha de Porecatu.

“Tinha uma questão que ele nunca perdeu de vista: o mais importante é a democracia, porque mesmo que você tenha posições mais à esquerda ou mais liberais, o solo comum tem que ser a democracia”, completa.

OBRA INACABADA

Monteiro destaca que Oikawa estava escrevendo um livro sobre a liderança indígena Paiakan. Uma parte dessa história aparece em um depoimento para a dissertação de mestrado do jornalista Tadeu Felismino, outro membro do ‘Poeira’ que faleceu em julho. Marcelo fala sobre as experiências na floresta e como tinha uma relação próxima com Paiakan, a ponto de ser convidado para conhecer uma aldeia remota chamada “Rio Vermelho”.

“Ele convidou eu e o Sho pra irmos lá, ‘vocês vão ser os primeiros brancos a pôr o pé naquela região’. Foi uma experiência fantástica! A gente foi no avião dele até essa aldeia e ele convidou a gente a passear de canoa no rio Vermelho, fomos os primeiros brancos a pôr os pés ali”, diz Oikawa no depoimento, datado de 2014.

“O último pedido que ele fez para mim foi para eu acabar o livro. E eu vou acabar. Foi o último pedido, era o grande projeto da vida dele”, garante Monteiro.

O velório do jornalista será no Memorial Luto Curitiba ( Avenida Presidente Kennedy, 1013, Sala Jacarandá), nesta quarta-feira (6), das 14 às 18h.