Jonathan Safran Foer debate na Flip a mudança climática como um suicídio coletivo
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quinta-feira, 03 de dezembro de 2020
MARCELO LEITE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio", disse Albert Camus em 1941. Oito décadas depois, Jonathan Safran Foer poderia dizer -- mas não disse -- em seu livro "Nós Somos o Clima - Salvar o Planeta Começa no Café da Manhã" que "só existe um problema ético realmente sério: é o suicídio coletivo".
Foer participa da Flip nesta sexta-feira, numa mesa com a poeta Márcia Kambeba. Em entrevista, o escritor americano afirma não poder prever o rumo da conversa, mas acha inevitável tocar no tema da marcha fatal da humanidade rumo à destruição do clima como o conhecemos.
A morte voluntária está no centro da obra, que se revolve em torno de cartas de suicidas e quase suicidas, literais ou figuradas. Conclui que se deve escolher sempre a vida, mas isso exige de cada um sacrifícios impensáveis. O mais eficaz, defende, seria parar de comer produtos animais no café e no almoço.
"Eu não queria escrever outro livro sobre comer", diz o autor de "Comer Animais". "Mas tratar de mudança do clima sem falar de hábitos de alimentação seria tão desonesto quanto tratar da Covid-19 sem falar de máscaras."
Foer conta que se irrita quando as pessoas ficam falando só de suas realizações, não das dificuldades. Por isso, imprimiu tom ultrapessoal ao texto, por exemplo, ao admitir que, mesmo sendo vegetariano desde os dez anos, às vezes busca se confortar num hambúrguer.
Verdade que foram poucas recaídas, talvez cinco, em vários anos. Mas ainda se permite a ingestão de ovos e laticínios no jantar, que, para ele, é a refeição social e afetivamente mais significativa.
A confissão de fraquezas não é artifício retórico, justifica. É partir de um terreno comum com as pessoas que, mesmo convictas da crise climática e da necessidade de a domar, não conseguem fazer algo a respeito.
À pergunta sobre se o livro não comete uma espécie de "sincericídio" (expressão que disse não conhecer, mas da qual gostou), ou seja, desencorajar leitores de fazer a coisa certa insistindo em como é sacrificado, Foer responde que não. "É a verdade. E dizer a verdade é uma política melhor do que mentir. Não se exige perfeição, e ela nem é possível."
É possível debater se é confiável a estimativa citada por Foer de que 51% das emissões de gases do efeito estufa provêm da pecuária, e ele a defende em detalhe num anexo só para isso. Mas é difícil de rebater que tal mudança de hábito representa a maior contribuição que cada indivíduo pode dar contra o aquecimento global.
De pouco valer andar de bicicleta, reciclar lixo e usar canudinhos de papel se a pessoa continua a frequentar aeroportos e churrascarias. Quem não quer viajar nas férias para o desconhecido ou se entregar aos prazeres da carne? Se é possível reduzir viagens aéreas, também deveria ser factível comer menos produtos animais.
O busílis está no fato de esses sacrifícios serem proibitivos, emocionalmente, e o desastre do clima desembestado, muito distante no tempo -- fim do século -- e no espaço -- sofrerão suas piores consequências, aliás já sofrem, os países e pessoas mais pobres, como habitantes de Bangladesh.
"Temos de ter consciência da morte que nos cerca, mesmo que ela não tenha acontecido ainda, mesmo quando é fácil não percebê-la, mesmo quando o nosso suicídio mata primeiro os outros", escreveu ele no livro.
O autor não chega a se dizer esperançoso com a eleição de Joe Biden, só que tem agora menos desesperança. Sustenta o paradoxo de que Donald Trump ajudou a causa ambiental ao tornar mais aguda a consciência da crise e que os jovens não estariam marchando pelo clima no mundo todo se Hillary Clinton tivesse vencido em 2016.
Depois de dois livros militantes, o próximo de Foer será um romance, mas também sobre traumas - um acidente que sofreu quando criança, a partir do qual se desenrolam várias histórias paralelas. Autobiográfico? "Sim, mas não ao ponto de sincericídio."