Itália, cinema e nostalgia
'Noite Mágica', em cartaz na cidade, revive a época dourada do cinema italiano
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
'Noite Mágica', em cartaz na cidade, revive a época dourada do cinema italiano
Carlos Eduardo Lourenço Jorge
Para matar saudades: o lançamento no circuito local, a partir desta quinta (31), de uma produção italiana. Legítima, com língua, cores e espirito peninsulares. É “Noite Magica”, comédia dramática do toscano Paolo Virzi, fértil realizador de títulos importantes, conhecidos no Brasil e entre os quais se incluem “A Primeira Coisa Bela”, “O Capital Humano”, “Loucas de Alegria” e “Ella e John”. Fecundo e eclético, Virzi é especialista em alternar humor e drama humano e social, não raro num mesmo relato.
O filme abre com a noite na qual a seleção italiana de futebol é eliminada pela Argentina nos pênaltis, no Mundial de 1990. Ruas desertas, pessoas reunidas em frente aos televisores. O evento esportivo é apenas um marco cronológico, mas algo simbólico para aqueles tempos cinematográficos: a eliminação da “azurra” coincide com um evento que vai conduzir à história principal. Um luxuoso caro esportivo – uma Maserati, claro – despenca no rio Tibre. Dentro, um morto ilustre, Leandro Saponaro (Giancarlo Giannini), tempos atrás um importante produtor de cinema, provavelmente assassinado. Esta “noite mágica” quer se referir também ao declínio definitivo da época dourada do cinema italiano e ao advento dos tempos sombrios de Silvio Berlusconi.
O cadáver no carro provoca a detenção de três jovens aspirantes a roteiristas, e consequentemente a um extenso flashback que descreve os acontecimentos que levaram à morte do produtor. E então tudo fica bem claro no decorrer da narrativa: o que preocupa a Virzi e seus dois co-roteiristas é a construção de uma de sátira de ambientes, personagens, usos e costumes, a maioria das vezes hilariantes, mas às vezes nem tanto.
Os três jovens ingênuos, ambiciosos, sonhadores e candidatos a roteiristas funcionam como espécie de janelas que Virzi utiliza para criar um estranho microcosmo de escritores, realizadores e produtores veteranos carregados de cinismo. As dezenas de referências diretas e indiretas aos grandes nomes do cinema italiano podem passar despercebidas para boa parte do público, mas há muito coisa a desfrutar com nomes e perfis famosos, como a alusão a Fellini em seu canto de cisne, “A Voz de Lua” ou a Mastroianni chorando pelo enésimo abandono de sua mulher, Catherine Deneuve, essa “imbecil”.
Virzi revive com humor e irreverência a última época dourada do cinema nacional, liderada por grandes nomes como Monicelli, Risi, Scola, descobertos por ele quando se mudou para Roma há mais de 30 anos, atrás de seu próprio sonho de tornar cineasta. O filme não se limita somente a recuperar uma época passada, mas também introduz elementos de thriller ao melhor estilo italiano, com a trama conseguindo introduzir o espectador no mistério que se relaciona com a morte do produtor.
Em resumo, estamos diante de uma história provocadora e melancólica, quase um testemunho a favor da memória e do anedotário. Há muito do clima da ‘vera comedia all’italiana’ – exaltada, kitsch, sensual, tagarela, irônica, lúdica –, temperado com agridoce nostalgia.