A um mês do Dia das Mães, data via de regra cercada nos cinemas por bajulações e perfumarias alusivas, o exibidor abre a caixa de Pandora e coloca na programação o sufocante “Instinto Materno”, remake hollywoodiano do premiado thriller belga homônimo de 2018, baseado no romance “Derrière la Haine” (Por trás do Ódio), de autoria de Bárbara Abel. A fachada impecável do subúrbio dos anos 1960 é feita em pedacinhos neste psicodrama piegas à maneira (torta) de Hitchcock, um melô que promete mais do que entrega. Em segunda semana em exibição em Londrina, o filme segue as donas de casa e vizinhas americanas Céline (Anne Hathaway) e Alice (Jessica Chastain) após a morte acidental do filho da primeira. Perturbada, Céline começa a desenvolver uma fixação pelo filho de Alice (Eamon Patrick O'Connell), enquanto a desconfiança cresce entre as mulheres e o histórico de ansiedade de Alice volta para assombrá-la.

Com o aclamado fotógrafo Benoît Delhomme (“A Teoria de Tudo”) fazendo sua estreia na direção, é uma produção de nivel técnico muito correto, com lentes elegantes e figurinos lindos sobrepostos com um verniz sinistro, semelhante àquele visual de “Stepford Wives/Mulheres Perfeitas” (1975) – e tentando evocar, não poucas vezes, o estilo inimitável de Douglas Sirk. No entanto, apesar dos melhores esforços dos protagonistas, o que se desenrola não é nem exagerado o suficiente para servir como entretenimento, nem sério o suficiente para convencer. Quando chega à sua conclusão quase ridícula, todo o bom senso já foi jogado pelo ralo.

Anne Hathaway (Céline) e Jessica Chastain (Alice) são melhores amigas até aparecer um clima insuportável de desconfiança depois de um acidente trágico
Anne Hathaway (Céline) e Jessica Chastain (Alice) são melhores amigas até aparecer um clima insuportável de desconfiança depois de um acidente trágico | Foto: Divulgação

É uma pena que o roteiro tropece, porque Chastain e, em particular Hathaway, conseguem um elogiável registro melodramático. Elas são muito convincentes como vizinhas e melhores amigas cuja relação próxima é interrompida depois que um acidente estranho resulta em uma morte trágica. Um filme sobre duas mulheres imaculadamente cuidadas, acendendo e provocando uma à outra até a loucura, deveria ser muito mais divertido do que o resultado dessa trama.

“Mothers' Instinct” vai além da homenagem a Hitchcock e se transforma em paródia. E a admiração bajuladora do filme pelo trabalho do mestre serve apenas para destacar o quanto é pesada a trama em comparação.

* Confira a programação de cinema no site da FOLHA.