Há muitas formas de reencontrar um amigo de infância. Podemos reencontrá-lo na rua, de surpresa numa viagem, entrar em contato porque as redes sociais nos trazem notícias, como o melhor dos correios.

Uma forma bonita de reencontrar um amigo é pela poesia. Depois de adultos, após muitos anos sem nenhum contato, o amigo ressurge e descobrimos que é poeta.

Assim reencontrei Silvio Ranciaro, nascido em Cornélio Procópio, crescido na mesma rua Pernambuco onde jogamos bola, andamos de bicicleta, improvisamos programas de calouros cantando noite adentro na calçada como se estivéssemos na televisão e, principalmente, enfrentamos o vento, porque a cidade construída sobre morros é a mãe da ventania.

Nas esquinas, era preciso segurar bem as sombrinhas, os homens às vezes perdiam o chapéu. No inverno, a rajada forte castigava, levantando folhas, poeira e saias em esquinas onde se arriscava tudo, como a da antiga Casas Buri, com tecidos esvoaçando na vitrine, estampados com flores ou com bolinhas

Silvio era de família grande: tinha doze irmãos. Seu pai, marceneiro, era Seu Vicente, a mãe Dona Sebastiana. O pai, profissional de primeira, ligava cedinho as serras da oficina, onde aplainava tábuas, fabricava móveis e construía sonhos.. Havia ainda o Antônio de Conti, outro marceneiro na mesma rua, também exímio fabricante de móveis, num tempo em que as serras no Norte do Paraná eram ligadas de manhãzinha e só silenciavam à noite. Muitas árvores caiam nas matas, mas cada vez mais se erguiam casas.

Reencontrei Sílvio recentemente, muitas décadas depois da infância, pela internet. Descobri que é poeta, autor de livros e que também grava vídeos, divulgando aquilo que é seu traço mais evidente: a sensibilidade.

Silvio é poeta das ventanias, quase todos os seus poemas se conectam às matas, árvores e rios. Não podia ser diferente. Dia desses recebi seu livro mais recente pelo correio," Semeador de Esperanças", publicado pela editora Archangelus (2022). Dele selecionei dois poemas que falam de chuvas e pirilampos. Mesmo morando em São Paulo, ele continua ligado à natureza.

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CHUVAS NO DESERTO

De aquariano que sou,

Mesmo aqui no Cariri,

Vivo da e pela água,

Hoje nesse forno,

Onde vive um povo,

Antigo como as rochas,

Forte como o mandacaru,

Aspiro o cheiro da terra molhada.

Evaporo!

Chovo!

Choverei hoje,

Choverei amanhã,

Choverei sempre!

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PIRILAMPOS

Nestas noites quentes,

Como se já não bastassem

As borboletas,

Agora são os pirilampos,

Que se amam na minha horta,

O macho fica dançando

Na minha janela.

Enquanto ela se perfuma

Nos meus canteiros de hortelã,

Depois dele se acender na vidraça,

Desce ao frescor da horta,

Até não mais piscar.

Contam com meu cuidado,

Assim como uma incubadora,

Espero que eclodam.

Precisamos de toda luz,

Neste nosso lugar,

Os obscuros estão se multiplicando.

(Silvio Ranciaro em "Semeador de Esperanças", 2022)

A opinião da colunista não reflete, necessariamente, a da Folha de Londrina.

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