No princípio, era o vinil. Depois, veio o CD, o compact disc. Agora, a indústria fonográfica está lançando o que imagina ser o sucessor do CD, com presumível capacidade sonora sete vezes maior do que os disquinhos que costumamos ouvir em casa. Essa nova geração de CDs, que reúne qualidades do antigo sistema e as possibilidades do DVD, já está sendo gestada há três anos na indústria internacional, mas seu resultado prático só chega às lojas brasileiras esta semana. A Warner Music está lançando oito títulos do que chama de DVD Áudio, um sistema que requer equipamento especial para ser tocado.
‘‘A patente é da própria Warner’’, diz Luciana Pegorer, executiva da companhia. ‘‘Creio que o sistema vai seduzir principalmente os consumidores que gostam de tecnologia e buscam qualidade superior’’, diz ela, que distribuiu apenas 200 unidades para o teste inicial do mercado.
Os preços são proibitivos: cada DVD Áudio custa algo em torno de R$ 60,00 a R$ 70,00. E, para que alcancem a qualidade sonora total, devem ser tocados em equipamento específico, também importado (custa algo em torno de US$ 1,5 mil).
‘‘Você precisa ser um astro do futebol ou um zilionário pontocom para ter um sistema significativamente melhor’’, escreveu Lee Gomes, repórter do ‘‘The Wall Street Journal’’, ao testar o sistema no fim de junho. Gomes ouviu a Orquestra da Filadélfia tocando Liszt e Dvorák, Isaac Stern tocando Vivaldi e também o rock pesado do Meat Loaf.
No Brasil, outra companhia que já tem um sistema parecido e planeja lançar seus produtos em breve é a Sony Corporation, segundo informou a assessoria de imprensa da Sony Music Brasil. O sistema da Sony foi batizado de Super Audio CD.
Espremida de um lado pela nova ordem do MP3 e os formatos digitais que permitem troca de música pela internet, a indústria fonográfica parece deter-se agora com mais atenção sobre um tipo raro de consumidor especial. Que, certamente, deve ter um ouvido especial para detectar as diferenças entre um sistema e outro.
‘‘Uma das razões porque o CD de música clássica não vende bem é que o ouvinte de música erudita não troca a sala de concerto pela experiência de ouvir um CD em casa’’, diz Luciana Pegorer. ‘‘Com o novo sistema, a experiência é similar a você estar numa sala de concerto, porque o som é cheio, brilhante, possui todos os graves, todas as sutilezas’’, afirma.
O problema todo vai ser encontrar um equipamento adequado para tocar os DVDs de áudio. A Warner informou que a Gradiente teria interesse em fabricar no Brasil o aparelho de tocar o DVD Áudio. Mas, segundo a assessoria de imprensa da Gradiente, não há nada definido a esse respeito.
É possível ouvir o disco (cujo formato é igual ao do CD antigo) no aparelho comum de DVD, com grande ganho de qualidade, mas sem a possibilidade de se conseguir o nível superior alardeado pelas companhias. Atenção: o disco de Áudio DVD não pode ser tocado em aparelho de CD comum.
A aposta da indústria é de que os preços comecem a baixar com a popularização do sistema e um desses novos padrões substitua os antigos. Mas uma das primeiras preocupações das companhias é tranquilizar os colecionadores de discos.
‘‘Ninguém vai precisar se desfazer da sua coleção de CDs, que podem ser tocados no mesmo aparelho do DVD Áudio’’, diz Luciana Pegorer. A vantagem do novo sistema sobre o antigo, segundo ela, é indiscutível.
O sistema de compressão utilizado pelo novo disco (feito num sistema de codificação chamado Meridian Lossless Packing, de alta fidelidade) não apresenta perdas, segundo a companhia. Esse sistema permitiria que a totalidade do conteúdo da gravação original possa ser reproduzida de maneira integral.
Uma das ambições do novo disco parece coisa de ficção científica. Existe um tipo de frequência inaudível ao ouvido humano, muito acima da faixa de 20 kHz. Segundo texto de manual preparado pelos fabricantes, ‘‘são muitas as pessoas que acreditam que estes sons inaudíveis criam o timbre sutil e a expressão distinta do instrumento’’. Ou seja: ouvir os sons ‘‘invisíveis’’ para os ouvidos humanos, coisa que era impossível com o antigo CD, agora já seria possível.
Os primeiros títulos lançados (e os que estão à espera de lançamento) pela Warner Music permitem até uma ironia sobre essa possibilidade de ouvir sons inaudíveis aos ouvidos humanos. O que poderá haver de tão oculto no rock do grupo Stone Temple Pilots ou de Alice Cooper? Qual o grau de sofisticação invisível da música romântica de Luis Miguel?
‘‘Simplesmente não há diferença suficiente entre a tecnologia de CD atual e esses novos formatos para que alguém, a não ser os consumidores mais acusticamente obcecados, abra sua carteira – e abra bastante, aliás’’, diz Lee Gomes, do ‘‘The Wall Street Journal’’.
‘‘Até hoje, o CD não provou ser melhor que o vinil’’, lembra Luís Antônio Giron, jornalista e crítico de música da ‘‘Gazeta Mercantil’’. Giron é autor de ‘‘Mário Reis – O Fino do Samba’’, no qual assinala a passagem de um sistema de execução musical para outro, com o advento do microfone, e a alteração que isso provocou no jeito de cantar.
A indústria fonográfica aposta que, após a conquista do consumidor, com o relançamento de CDs consagrados pelo novo formato, comece uma segunda etapa: a de discos gravados tendo-se em mente as possibilidades apresentadas pelo Áudio DVD.
O sistema congrega as qualidades do CD com as do DVD, permitindo a seleção dos menus em tela, a ‘‘navegação’’ pelas biografias dos artistas, letras de música, galerias de fotos, catálogos ou discografias e clipes de vídeo. Alguns dos títulos poderão ainda estabelecer um link com endereços de rede, quando estiverem sendo usados em um drive de DVD-ROM com capacidade para o Áudio DVD.
Os modelos de aparelhagem até agora produzidos para veicular os super-CDs da indústria fonográfica são para consumidores não só de alto poder aquisitivo como de alto conhecimento técnico. O sistema da Panasonic/Technics, por exemplo, requer um verdadeiro home theater com seis canais de áudio.
‘‘Você irá precisar de um sistema de som ambiental de canal 5.1 para obter todas as vantagens dessa nova tecnologia’’, adverte o fabricante. Muitos analistas de tecnologia acham que o CD realmente está em via de ser substituído. Mas o será, provavelmente, por obra da evolução dos microcomputadores, e não por novas versões do tradicional aparelho eletrônico para a sala de estar.