São Paulo, 29 (AE) - A caixa "John Lennon Anthology", que trouxe 4 CDs e 94 faixas (algumas inéditas) do ex-Beatle teve um valor, digamos assim, "antropológico", recheada de piadas e bate-boca. Mas o que vem agora é parte importante da discografia oficial de Lennon, o seu disco "Imagine" (Capitol/Apple, 1971), tour de force de exorcismo de um sujeito recém-saído da mais festejada aventura musical do século.
Remasterizado, seu relançamento nos permite contemplar com um saudável distanciamento o esforço de voltar ao rock após o mergulho experimental com a Plastic Ono Band e, ao mesmo tempo
vê-lo como um manifesto de contra-ataque de um sujeito que se via acuado por sua responsabilidade histórica. Queriam a pele de Yoko e ele não só a deu como ainda respondeu às provocações, em canções como "How Do You Sleep?
Antes de "Imagine, Lennon já tinha perpetrado quatro discos-solo: John Lennon/Plastic Ono Band" (Capitol/Apple, 1970), Live Peace in Toronto" (Capitol, 1969), Wedding Album (Apple, 1969) e Life with the Lions: Unfinished Music n.º 2 (Apple, 1969) e Unfinished Music n.º 1 - Two Virgins (Apple, 1968).
Entre 1968 e 1970, John parecia opor-se ao rock fundamental que o levara aos píncaros da glória com os Beatles. Tornara-se um provocador. Mas com "Imagine ele parece voltar a uma sinceridade pessoal, a uma certa coerência filosófica. Ele deixa fluir sua impulsividade e o jeitão passional, a voz volta a ficar mais colocada, mais "educada", por assim dizer.
Pulando a "canção de réveillon da Globo", a faixa-título "Imagine" (que é hors-concours), o disco é prenhe de hits, mas nem todos aconteceram em sua época - caso da contry e bela Crippled Inside". A voz de John soa diferente, mais metálica, e a simplicidade da melodia contrasta com a energia da letra: "One thing you cant hide/Is when youre crippled inside." ("Uma coisa você não pode esconder/É quando você está mutilado por dentro.")
"How Do You Sleep?" é uma furiosa mensagem para Paul McCartney, acusando-o de não ter feito nada especialmente relevante para os Beatles. A reedição do disco traz um fac-símile da letra, manuscrita por John. "Oh My Love" é mais uma grande canção de amor de Lennon, dedicada, obviamente, a Yoko (o que é mais curioso: escrita pelos dois). Bem ao estilo eu, você e um piano dominaremos o mundo.
Tudo é muito básico na música de Imagine e muito daquela revolta juvenil que nos deliciava com o John Beatle volta à tona, como em I Dont Wanna Be a Soldier Mama (I Dont Wanna Die). Aqui, ele canta, com a ironia de garoto fora de controle: "Bem, eu não quero ser um advogado, mãe/Eu não quero mentir." George Harrison toca um slide guitar de arrepiar aqui.
"Jealous Guy é um clássico da dor-de-cotovelo, do mea-culpa de Cornuália. John é patético confessando que começa a "perder o controle" por ciúmes. Mas, ironicamente, não o perde cantando - é um dos mais belos fraseados de assobio do pop.
A simplicidade do blues Its so Hard é desconcertante. Eis porque esse homem era especial. Tudo é difícil, mas ele torna tudo simples. A voz lembra incrivelmente Mick Jagger em seus primeiros tempos - ou seria Mick Jagger que lembra incrivelmente Lennon em Its so Hard". Tudo pontuado pelo sax de King Curtis, uma belezura.
"Imagine", a canção pacifista de Lennon, foi gravada sob a influência da militância que o casal exercia naquele momento, ao lado de figuras políticas de proa, como Abbey Hoffman e Jerry Rubin. Tornou-se um hino, mas é realmente um belo e incisivo hino, não há o que dizer a respeito. Assim como "Mother", gravada no disco anterior da Plastic Ono Band, um magnífico libelo da dupla.
A produção foi de Phil Spector - e aqui nos reportamos aos registros da caixa John Lennon Anthology para lembrar que Lennon maltratou barbaramente seu produtor. O disco foi gravado no Ascot Sound Studio, em setembro de 1971, e tudo o que podemos dizer é que é uma grande referência da música pop. Serviço - "Imagine". CD de John Lennon. Relançamento EMI Music. Preço médio: R$ 18,00. Nas lojas